Carta revela desdém de Einstein pela religião

Uma carta escrita pelo físico Albert Einstein ao filósofo alemão Eric Gutkind revela que o cientista desdenhava a religião. O documento reacendeu a polêmica sobre as crenças religiosas de Einstein já que, em declarações anteriores, ele havia dado a entender que acreditava, ou queria acreditar, na existência de Deus. Escrita em 1954, em resposta ao livro de Gutkind Escolha a Vida: O chamado bíblico para a revolta (em tradução livre), a carta passou 50 anos nas mãos de um colecionador particular. “A palavra Deus para mim é nada mais que a expressão e o produto da fraqueza humana; a Bíblia é uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis”, escreveu Einstein.

Na carta, o cientista também fala que não acredita que os judeus sejam “o povo escolhido”. “Para mim, a religião judaica, como todas as outras, é a encarnação de algumas das superstições mais infantis. E o povo judeu, ao qual tenho o prazer de pertencer e com cuja mentalidade tenho grande afinidade, não tem qualquer diferença de qualidade para mim em relação aos outros povos.”

(O Estado de S. Paulo, 14/5/2008)

Querem desconstruir o Deus da Bíblia

A matéria de capa da revista Galileu de maio de 2008 – “O Deus de Einstein” – é um indicativo da intenção de muitos de desconstruir o Deus da Bíblia. O artigo informa que livros de ciências naturais, matemática e filosofia, especialmente os de Immanuel Kant, tiveram forte influência sobre o físico alemão quando ele ainda era criança. “Foi essa experiência que o levou a se interessar por ciências e se afastar da religião. Mais tarde ele diria que foi ao ler esses livros que se convenceu de que muitas das histórias da Bíblia não poderiam ser verdadeiras”, explica Galileu, que cita ainda uma declaração de Einstein publicada no livro Albert Einstein – The Human Side: “Eu não posso conceber um Deus pessoal que influencia diretamente as ações dos indivíduos ou julgue as criaturas que ele mesmo criou.”

Mas num ponto as convicções do físico se aproximavam da verdadeira compreensão bíblica do que seja a alma. Einstein adotava as ideias formuladas por Espinoza: alma e corpo sempre estão juntos. Logo, quando o corpo morre, a alma termina junto, o que contraria a doutrina não bíblica (mas tida por muitos como bíblica) da imortalidade da alma. Segundo a Bíblia, a morte não é o fim, apesar de a alma (que no hebraico quer dizer simplesmente pessoa) morrer. Einstein disse: “Eu definitivamente não acredito nisso [imortalidade]. E, para mim, uma vida já é o suficiente.” Segundo Galileu, o físico pode ser considerado deísta, ou seja, alguém que crê que um deus impessoal criou o Universo e não interfere em seu funcionamento.

Galileu aponta também a discordância de Einstein com a doutrina bíblica do livre-arbítrio: “Para Einstein, qualquer ação humana, por mais banal que fosse, como escovar os dentes, já estava previamente determinada. Logo, em seu modo de ver, o livre-arbítrio é uma ilusão. […] O curioso é que Einstein, apesar disso, era um grande defensor da liberdade individual.” O problema aqui é a confusão que se faz entre onisciência e determinação. Galileu pergunta: “Como esse livre-arbítrio pode ser real se Deus conhece o futuro, já sabe o que vai acontecer?” O fato de Deus saber o que vai acontecer não significa que Ele determine o que vai acontecer. Digamos que houvesse dez caminhos diferentes para um motorista escolher. Deus sabe o que ocorreria em cada uma dessas vias, mas não escolhe pela pessoa (se bem que é muito difícil entender a onisciência estando infinitamente longe de ser onisciente).

A reportagem informa também que há várias pesquisas sobre a crença das pessoas em Deus. E que há pesquisas “para todos os gostos, dizendo que há mais ateus ou mais crentes”. Só que, curiosamente, Galileu menciona apenas uma dessas pesquisas, publicada pela Nature, segundo a qual a maioria dos membros da Academia Nacional de Ciência não crê num Deus pessoal. Parcial, não?

A matéria conclui o seguinte: “A posição de Einstein, antes rejeitada pelas pessoas de fé, agora é acolhida. Há uma corrente que defende que as visões religiosas e científicas são complementares, inclusive na explicação de fenômenos naturais.”

Creio que a posição de Einstein é bem-vinda hoje porque os céticos, não podendo negar a realidade espiritual e a existência insistente da fé, estão abraçando um “deus” impessoal com o qual não precisam se comprometer e cujos princípios de vida prescritos na Bíblica são vistos como empecilho para o estilo de vida dissoluto do mundo atual. É uma “fé” bem conveniente.

(Michelson Borges é jornalista, pós-graduado em Biologia Molecular e mestre em Teologia)

Ciência e religião na visão de Futuyma

O jornal Estadão publicou em 2008 uma entrevista com o biólogo norte-americano Douglas Futuyma, que foi presidente da Sociedade Americana para o Estudo da Evolução e editor da revista científica especializada Evolution. Ele é autor, entre outros livros, de Science on Trial: The Case for Evolution (Ciência em Julgamento: O Caso em Favor da Evolução), sobre o embate entre o ensino da evolução e do criacionismo, e de Biologia Evolutiva, uma das principais obras usadas no ensino da evolução nos cursos universitários brasileiros de Biologia. Naquele ano, Futuyma esteve no Brasil para uma série de três palestras da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A seguir, alguns trechos da entrevista com meus comentários entre colchetes:

Como está a teoria da evolução hoje, 150 anos depois de sua formulação inicial?

Mais forte que nunca. … [No] tempo de Darwin … não sabíamos sobre DNA, sobre genes, não sabíamos como as características passavam dos pais para filhos. Agora, usamos DNA para entender melhor a evolução, e a evolução para entender melhor o funcionamento dos genes. Outro exemplo: Darwin sugeriu, em 1866, que humanos e chimpanzés vinham de um ancestral comum e agora sabemos, graças ao DNA, que ele estava certo, porque o DNA humano e dos chimpanzés coincide em mais de 90%.

[Com todo respeito a Futuyma, a quem considero um cientista bem mais equilibrado que o estridente Richard Dawkins, por exemplo, essa história dos 90% de semelhança genética entre humanos e chimpanzés é bastante controversa. O que ocorreu foi que a equipe de pesquisadores, dirigida por Morris Goodman, da Faculdade de Medicina da Wayne State University, comparou 97 genes de seres humanos, chimpanzés, gorilas, orangotangos e camundongos. Os pesquisadores concluíram que os genes de chimpanzés e bonobos (gênero Pan) têm mais em comum com os genes humanos do que com os de quaisquer outros primatas. Dificilmente esses dados seriam suficientes para sustentar uma conclusão tão radical. Os pesquisadores compararam apenas 97 genes, porém o genoma humano (que foi mapeado em sua totalidade de uma maneira muito “geral”) tem pelo menos 30 mil genes – portanto eles compararam apenas 0,03 por cento do total! Além disso, os genomas dos primatas não foram nem sequer mapeados de maneira aproximada. Assim, qualquer tentativa de comparar o DNA total atualmente é apenas uma hipótese. Como, de fato, os chimpanzés são mais semelhantes aos seres humanos do que outros macacos ou símios, por que isso não se refletiria em alguns de seus genes? Não é surpresa que a anatomia parecida refletisse genes parecidos, porém isso nada tem a ver com a origem das semelhanças, seja no nível anatômico, seja no nível genético. A questão da ancestralidade comum versus projeto comum não se decide pelo grau de semelhança. O problema é que, embora equivocado, o número de 90% chama a atenção. O público em geral é levado a interpretar as reportagens como tendo dito que os chimpanzés são “90% humanos”. Aqui é bom lembrar o que disse o professor evolucionista Steven Jones: ele afirmou que as bananas compartilham 50 por cento de seus genes com os seres humanos, mas que isso não torna as bananas 50 por cento humanas! E sobre a tal ancestralidade comum entre humanos e macacos, é bom lembra, também, que a tal “árvore da evolução humana” vive sendo revisada e “ancestral” comum nunca foi encontrado.]

Críticos da evolução costumam dizer que a teoria é um raciocínio circular, já que afirma “a sobrevivência dos mais aptos”, mas o único jeito de saber quem é mais apto é esperando para ver quem sobrevive…

Não se trata de um argumento forte. Os críticos dizem que só dá para saber quem é o mais apto depois que ele sobrevive. Mas sabemos que é possível um tipo de indivíduo ser mais abundante na espécie, mesmo se não for o mais apto. Esse é um processo puramente aleatório, de variação dos genótipos (seqüências de DNA) dentro das populações. É um processo chamado deriva genética. E não é um processo de seleção natural. Se você olhar para duas populações que começaram do mesmo jeito, uma delas poderá acabar diferente, por puro acaso, como num lance de dados. Isso elimina o argumento de que se trata de um raciocínio circular. Além disso, é possível prever qual organismo se sairá melhor num determinado ambiente. Em praticamente toda edição da revista Evolution há um exemplo do tipo, onde pegamos uma característica de um organismo, prevemos como ela pode ajudar a sobrevivência em um determinado ambiente, e depois vemos que esse é exatamente o caso. Não é preciso ser um gênio para entender que se há dois tipos de bactéria, e um deles é capaz de digerir uma substância e outro, não, se você colocá-los num ambiente com esse produto, um vai ganhar e o outro vai perder. Isso é evolução por seleção natural, e podemos prever seu resultado.

[Aqui está um clássico exemplo da frase que diz: “Darwin acertou no varejo e errou no atacado.” Os criacionistas (pelo menos os bem informados) não dizem que Darwin errou de todo. A idéia da seleção natural explica bem a existência e prevalência de certos seres vivos em detrimento de outros, mas não explica a origem desses seres. O que se condena são as extrapolações hipotéticas feitas com base nesses dados, como a da ancestralidade comum de todos os seres vivos.]

Também há quem diga que não é possível testar a evolução, para saber se ela está certa ou errada.

Isso também é falso. Vamos pegar a questão da evolução no esquema mais amplo, que é a proposição de que todos os organismos evoluíram, por descendência com modificações, de um ancestral comum. Eu e as árvores lá fora, e as bactérias em meu aparelho digestivo, todos viemos de uma única forma de vida ancestral que deu origem a toda a variedade atual. Isso ocorreu ao longo do tempo, a um ritmo determinado, é claro. Não dá para tirar um mamífero de uma bactéria de uma hora para a outra, deve haver passos intermediários. Então, entendemos que as formas de vida mais recentes não podem ter ocorrido muito cedo na história da evolução. Portanto, se você conseguisse encontrar fósseis de mamíferos, indisputáveis, de 400 milhões de anos, isso causaria muita dor e sofrimento, porque os biólogos diriam “não pode ser”. Então, essa é uma observação possível, um teste, que forçaria a uma revisão completa da teoria da evolução.

[Tudo bem que ainda não foi encontrado um fóssil de mamífero em extratos geológicos nos alegados 400 milhões de anos. Mas, como o próprio Futuyma admite: “Não dá para tirar um mamífero de uma bactéria de uma hora para a outra, deve haver passos intermediários.” O que dizer, então, da “explosão cambriana”? Um trilobita, por exemplo, era quase tão complexo quanto um mamífero. Pelo menos em nível bioquímico, era. Ele era pluricelular (e suas células possuíam toda complexidade para funcionar como as células atuais), se reproduzia sexualmente (com toda complexidade envolvida nessa forma de reprodução) e tinha até olhos de calcita. O problema (para o modelo evolucionista defendido por Futuyma, é que não existem “passos interemediários” de trilobitas no Pré-cambriano…]

O debate entre evolução e criacionismo, se evolução deve ser ensinada nas escolas, se o criacionismo deveria ser ensinado por professores de ciências, causa muita polarização, muita polêmica, desencadeia discussões apaixonadas. A evolução parece ser o único tema, no currículo de ciências, a provocar reações tão extremas. Por quê?

É precisamente porque as pessoas resistem muito à idéia de que surgimos por meio de um processo puramente material, a partir de outras formas de vida. É uma idéia que preocupa. É vista como uma ameaça à dignidade humana, talvez. E também uma ameaça às crenças religiosas, porque as crenças religiosas dizem que os seres humanos são muito especiais, foram deliberadamente criados por um Criador bondoso que se importa com elas. Enquanto que a explicação científica para a origem dos seres humanos entra em conflito com esse ponto de vista. Creio que é por isso que a evolução causa uma reação tão emocional.

[Aqui, o biólogo cai no lugar comum de polarizar a questão como sendo ciência versus religião, ignorando o fato de que muitos cientistas que se pautam pelo método científico discordam das premissas básicas extrapolativas do darwinismo. Mas Futuyma está certo quando afirma que a visão darwinista rebaixa o ser humano. Na verdade, como disse alguém, essa visão humaniza os macacos e “macaquiza” o ser humano.]

Mas essa ameaça é real? O sentimento humano de ser protegido por um Criador onipotente está mesmo sob ameaça da teoria da evolução, ou se trata de um mal-entendido?

Creio que é possível aceitar a evolução totalmente e, ao mesmo tempo, preservar crenças religiosas e teológicas. E digo isso porque há milhões de pessoas que fazem isso. Incluindo inúmeros cientistas, que aceitam a religião, têm sentimentos religiosos, e aceitam as evidências a favor da evolução, incluindo a evolução da espécie humana. Um de meus melhores alunos de doutorado, que hoje é um biólogo evolucionista muito produtivo, é católico devoto e praticante. O papa anterior (João Paulo II) escreveu um documento dizendo que a evidência a favor da evolução é tão forte que a teoria deveria ser aceita como mais que pura especulação. No entanto, o papa disse que isso não significa que existe uma explicação biológica para a parte mais íntima do ser humano, a alma. Ele reserva uma parte para a religião. Creio que muitos líderes religiosos, e muita gente religiosa, não têm problema nenhum com a evolução. A Igreja Católica tem aceito a evolução há muito tempo. No entanto, é claro que isso significa que há certas afirmações específicas na Bíblia que não são literalmente compatíveis com a evolução. Mas também não são compatíveis com física, geologia, ou astronomia, ou nenhuma das outras ciências. Se você acredita que o mundo foi criado em seis dias, ou se acredita que o mundo foi criado há 100.000 anos, isso não é aceitável para astrônomos, geólogos ou físicos. Você tem de estar preparado para reinterpretar os textos religiosos, o que é exatamente o que os teólogos fazem. Bons teólogos não acreditam que tudo que aparece escrito nas versões em inglês, em português ou espanhol da Bíblia é para ser tomado exatamente como verdade literal.

[O papa João Paulo II estava duplamente errado: o ser humano não possui alma; ele é uma alma (nephesh = ser vivente), segundo a descrição bíblica da criação, em Gênesis. Essa idéia dualista (corpo/alma) é de origem pagã e foi adotada pelo catolicismo há muito tempo. E o papa estava errado também em tentar conciliar a Bíblia com o darwinismo. Isso é impossível para aqueles que aceitam o princípio protestante do Sola Scriptura. (Clique aqui e saiba por quê.) Curiosamente, as ciências que foram “infectadas” pela visão evolucionistas acabam entrando em atrito com as Escrituras, como é o caso da Geologia e sua “geocronologia padrão”. Por outro lado, diversos fatos corroborados pela ciência experimental estão em perfeito acordo com a Bíblia. No fim de sua resposta, Futuyma revela sua visão teológica liberal, elogiando os teólogos que não aceitam as Escrituras como “verdade literal”. Reinterpretar ou relativizar a Bíblia quando diante de alguma teoria discrepante torna fácil acomodar a religião à ciência…]

Mas as religiões pararam de perseguir astrônomos há séculos, enquanto que professores de biologia ainda encontram problemas. A resistência às novas verdades científicas que vêm da biologia é maior por quê…?

É por causa do conteúdo emocional, eu acho. As pessoas não se preocupam muito se a física entra em conflito com a Bíblia, mas creio que, porque são humanas, elas se preocupam com a biologia. Mas eu gostaria de destacar que são apenas algumas lideranças religiosas, e algumas pessoas religiosas, que condenam a evolução. Nos países onde a maioria da população é católica, como Espanha, Portugal, ou na maior parte da América Latina, não há conflito. O conflito surge onde há versões fundamentalistas do cristianismo, que tomam a Bíblia literalmente.

[Ou seja, os que adotam a teologia liberal não vêem contradição entre o darwinismo e a Bíblia. O problema são os “fundamentalistas”…]

Futuyma prossegue: “[Q]uando se propõe que a ciência aceite explicações religiosas, aí você tem idéias que não podem ser testadas. Ao postular que algo foi causado por um ser sobrenatural, ninguém tem a menor idéia de como determinar se essa é uma explicação verdadeira ou falsa. E se você pode dizer que um ser sobrenatural é responsável por esse evento em particular, por exemplo, a origem dos seres humanos, então você pode dizer que ele é responsável por tudo, pelo terremoto que aconteceu na China. Gostaríamos de parar de tentar entender os terremotos, porque alguém disse que há uma causa sobrenatural? A ciência tem de se manter materialista em suas explicações, o que não significa que a visão de mundo do cientista tenha de ser materialista. O materialismo não cabe quando o assunto é amor, ou ética, mas quando tentamos entender o mundo natural, é essencial.”

[O biólogo acerta quando diz que a ciência tem que ser materialista, enquanto metodologia, mas isso não significa que o cientista tenha que adotar uma filosofia materialista que nega tudo que esteja fora do escopo e da mensuração científica. Mas ele também “embola” tudo quando fala do terremoto na China. Aqui nota-se como faz falta uma correta compreensão da teologia bíblica…]

Se o Brasil vier a viver uma radicalização como a que existe nos EUA em torno do ensino da evolução e do criacionismo, qual seria seu conselho aos cientistas e professores brasileiros?

Meu conselho seria que os cientistas venham a público, que tentem educar a população sobre essas questões. Eles têm de tentar explicar a diferença entre uma abordagem científica e uma abordagem não científica. Eles têm de tentar explicar às pessoas que dependemos da ciência para avanços tecnológicos com muitos resultados práticos. … É preciso que todos os cientistas tentem explicar às pessoas qual é a natureza da ciência, e manter a ciência separada da religião. Não para fazer pouco caso da religião. As pessoas têm sua liberdade de crença religiosa, mas precisam entender que isso tem de ficar do lado de fora da aula de ciências. Assim como a ciência deve ficar fora dos ensinamentos das igrejas sobre moralidade. Creio, ainda, que os cientistas devem fazer todo o esforço para contestar as alegações feitas por criacionistas. Então, se houver algum criacionista, algum defensor do design inteligente (movimento que propõe que a vida é complexa demais para ter surgido por meios estritamente naturais), alguma figura religiosa que vá à televisão para fazer alegações falsas sobre a evolução, então os cientistas devem procurar o canal de TV, a revista, ou o veículo que for, e dizer, não, isso é errado, não é o que entendemos do ponto de vista científico, e aqui está o que é correto, e eis o porquê.

[Futuyma não precisa se preocupar com isso. Como escreveu G. K. Chesterton, há cem anos, em seu livro Ortodoxia, “não será necessário que ninguém lute contra a censura da imprensa. Nós temos a censura pela imprensa”. Como? Apenas um exemplo: o articulista Marcelo Leite, da Folha de S. Paulo, disse certa vez que eles simplesmente não dão espaço aos criacionistas. Futuyma se preocupa com possíveis alegações falsas de criacionistas na mídia, mas o que dizer das muitas alegações falsas sobre o criacionismo que já foram publicadas por aí? Não se preocupe, Futuyma, a maré midiática não está a favor dos “fundamentalistas”.]

E o biólogo conclui: “Minha mensagem para os cientistas, então, seria: reconheçam a humanidade das pessoas. Tentem mostrar a elas que é possível conciliar o ponto de vista científico com o religioso, em vez de criar uma dualidade. Mas é claro que muitos religiosos, principalmente evangélicos fundamentalistas, insistem nessa dualidade. Insistem que é preciso escolher.”

[Isaac Newton era “fundamentalista” (até cria nas profecias de Daniel e Apocalipse, veja só!) e, juntamente com outros “fundamentalistas” como Galileu e Copérnico, nos legou o método científico. Eles, assim como os criacionistas bem informados de hoje, não propõem o dualismo ciência/religião ou que tenhamos que escolher entre uma ou outra. Propõem, sim, uma correta interpretação dos dados científicos e uma correta interpretação das Escrituras. Esse esforço trará a devida compatibilização de ambas as áreas, afinal, foi Deus quem as estabeleceu.]

[Deixo um último desfio para o Futuyma e os leitores darwinistas deste blog: O que as evidências contrárias à teoria da evolução significam num contexto de justificação teórica? Que tal abordá-las se atendo somente ao atual status epistêmico da teoria da evolução?]

Leia também: “Futuyma se esqueceu da teoria da evolução no contexto de justificação teórica”

A soberba de Hawking e a humildade de Pascal

“É uma estranha inversão a sensibilidade do homem às pequenas coisas e a insensibilidade dele às grandes coisas.”

Blaise-Pascal

É frustrante (pra não dizer irritante) ver gênios da ciência e do pensamento querendo dar respostas para questões que são claramente “irrespondíveis” pela ciência. Do alto de sua brilhante carreira científica (que sempre admirei), o físico britânico Stephen Hawking parece ter se esquecido de outra virtude importante para os pensadores: a humildade. O grande Isaac Newton se referia aos “ombros de gigantes” sobre os quais se apoiou para poder ver mais longe e admitiu que somos como crianças diante de um mar de conhecimento. Mas e Hawking, o que fez diante de perguntas fundamentais que apontam para os limites no natural (portanto, para o sobrenatural)? Tentou engambelar seu público e a si mesmo com palavras vazias como estas, extraídas de seu livro O Grande Projeto (E esse título, hein? Foi pra provocar?): “Cada universo tem muitas histórias possíveis e muitos estados possíveis em instantes posteriores, isto é, em instantes como o presente, muito tempo após sua criação. A maioria desses estados será muito diferente do universo que observamos e será inadequado à existência de qualquer forma de vida. Só pouquíssimos deles permitiriam a existência de criaturas como nós. Assim, nossa presença seleciona desse vasto conjunto somente aqueles universos que sejam compatíveis com nossa existência. Ainda que sejamos desprezíveis e insignificantes na escala cósmica, isso faz de nós, em certo sentido, os senhores da criação.”

Pra começo de conversa, não existem evidências conclusivas da existência de outros universos, o que Hawking e seus seguidores assumem como certo. E se não podemos provar que esses universos paralelos existem, de que vale teorizar sobre eles? A frase “nossa presença seleciona desse vasto conjunto somente aqueles universos que sejam compatíveis com nossa existência” é, para mim, o verdadeiro conto de fadas; é falar ao vento. Note bem: Hawking considera a vida após a morte um conto de fadas, mas se refere a multiversos improváveis e os descreve como se fossem reais! Há muito mais evidências históricas da ressurreição de Jesus Cristo (que é a garantia da nossa própria ressurreição) do que desses tais universos. Mas Hawking insiste em negar essas evidências para acreditar em fábulas metafísicas…

“Ainda que sejamos desprezíveis e insignificantes na escala cósmica, isso faz de nós, em certo sentido, os senhores da criação”, diz Hawking. Acho que esse é o ponto. O ser humano, sem Deus, deseja sempre ocupar o trono da existência. Por mais que seja consciente de sua pequenez de habitante de um “pálido ponto azul” num universo incomensurável, quer ser “senhor da criação”. Aqui fazem falta os pensamentos de outro gigante intelectual que dizia entrar em pânico todas as vezes que via a cegueira e a miséria do “homem sem luz, abandonado a si mesmo, perdido neste canto do Universo, sem saber quem aqui o colocou, o que vai fazer e o que acontecerá quando morrer”. Blaise Pascal nasceu em 1628 e teve um encontro com o Criador em 1654, aos 31 anos de idade.

Você já leu Pensamentos, de Pascal? O livro é um verdadeiro alento nesta época de relativismo e “verdades” humanas sem substância. Quando pessoas como Hawking (cujo espirro virava notícia na mídia) me cansam com seu palavrório sem lastro, volto-me para a verdade absoluta da Palavra e para homens e mulheres que edificaram sobre esse firme fundamento. Pascal é um deles. Note por que:

“A encarnação de Jesus mostra ao homem a grandeza de sua miséria pela grandeza do remédio que ele precisa.”

“Hoje o homem se tornou semelhante aos animais, num tal afastamento de Deus que apenas lhe resta uma luz confusa de seu Criador.”

“É perigoso conhecer Deus sem conhecer a própria miséria e conhecer a própria miséria sem conhecer Deus.”

“A negligência dos que passam a vida sem pensar no fim derradeiro da existência irrita-me mais do que me comove e me espanta mais do que me aterroriza.”

“Não tendo conseguido curar a morte, a miséria e a ignorância, os homens procuram não pensar nisso tudo para serem felizes.”

“Entre nós e o inferno ou o céu, há apenas uma vida, assim mesmo extremamente frágil.”

“Todos os que procuram Deus fora de Jesus Cristo caem no ateísmo ou no deísmo, duas coisas que a religião cristã abomina quase de igual forma.”

“O conhecimento de Deus sem o da própria miséria produz orgulho. O conhecimento da própria miséria sem o de Deus produz desespero. O conhecimento de Jesus Cristo gera o meio-termo, pois nEle encontramos Deus e nossa miséria.”

“A religião cristã é sábia e louca. Sábia não só por ser a que mais sabe, mas também por ser a mais fundada em milagres, profecias, etc. Louca, porque não é isso tudo o que faz com que pertençamos a ela. O que nos faz crer é a cruz.”

“É preciso saber duvidar quando necessário, afirmar quando necessário e submeter-se quando necessário. Quem não faz assim não entende a força da razão.”

“Por serem bastante infelizes, devemos mostrar piedade para com os que não querem ou não conseguem crer.”

“Submissão e uso da razão – eis em que consiste o verdadeiro cristianismo. O último passo da razão é reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a supera. Se a razão não reconhece isso, ela é fraca. Se as coisas naturais a superam, o que se dirá das sobrenaturais?”

“Se o homem não foi feito para Deus por que só é feliz em Deus? Se o homem é feito para Deus, por que é tão contrário a Deus?”

“Não tenho palavras para qualificar aquele que duvida e não corre atrás da certeza, aquele que, ao mesmo tempo, é sumamente infeliz e injusto, e ainda se sente tranquilo e satisfeito e se vangloria disso tudo.”

“É uma estranha inversão a sensibilidade do homem às pequenas coisas e a insensibilidade dele às grandes coisas.”

Orei muitas vezes para que Stephen Hawking tivesse um encontro com o Criador, como aconteceu com Pascal, Newton e tantos outros. Espero que as décadas de “prisão” naquela cadeira de rodas não tenham se transformado numa eternidade perdida. Que desperdício seria esse…

Michelson Borges

Leia também: “Não se pode explicar o universo sem Deus”

A teoria-explica-tudo

Seria até mesmo a fé um fruto da evolução?

Enquanto na física se busca a teoria do tudo (a unificação da física quântica com a relatividade), na biologia parece que essa teoria-explica-tudo já existe e se chama darwinismo. Para muitos, as idéias de Darwin (devidamente aprimoradas por seus seguidores em um século e meio) seriam capazes de, por exemplo, explicar (e até justificar) por que alguns homens são puladores de cerca contumazes, por que gostamos de doces e por que apreciamos boa música. A novidade agora é a “explicação” darwinista de um fato observável em quase todo ser humano: nossa predisposição para crer.

Esse foi um dos temas da revista Galileu anos atrás. Na prévia publicada no site G1 Notícias, há a afirmação de que um crescente número de cientistas está considerando a religião um produto da biologia humana, tal como a linguagem, a arte ou o uso de drogas.

Segundo a matéria, a “arqueologia sugere que só começamos a enterrar nossos mortos e ter uma ideia de seres ‘sagrados’ (animais, por exemplo) há poucas dezenas de milhares de anos. Por que, de repente, nossa espécie ‘acordou’ para o lado sobrenatural das coisas?” Não seria por que nossa espécie tem apenas “poucas dezenas de milhares de anos” e, portanto, todos os fenômenos que a acompanham datam também dessa época? Assim, o ser humano seria Homo religiosus desde sua criação, tendo sido criado com essa inclinação para o transcendente e não desenvolvido essa sensibilidade ao longo das eras.

Mas tudo bem. Suponhamos que a fé seja mesmo um fruto da evolução. Por que teria se desenvolvido? Segundo a reportagem de Galileu, na tentativa de explicar o fenômeno, os biólogos da religião se dividem em dois grupos: os defensores da “vantagem adaptativa” e os do “efeito colateral”. “Para os primeiros”, explica o texto, “o ato de crer em si é que foi vantajoso para os antigos humanos – tão vantajoso que os que ‘desenvolveram’ a fé deixaram mais descendentes e passaram o traço adiante. A principal vantagem de desenvolver o instinto religioso seria a coesão social que ele traz: se toda a tribo está unida na devoção ao seu deus, ela se torna mais trabalhadora e mais corajosa na guerra, entre outras coisas.”

Gene egoísta bem inteligente esse, não? Pelo jeito, sob esse ponto de vista, os exploradores da religião são bem mais antigos do que se pensa…

O outro grupo (do efeito colateral) aposta que “as vantagens para a sobrevivência vinham de características da nossa mente que não têm nenhum elo direto com a religião. No entanto, o resultado acidental dessas propriedades mentais foi estimular o surgimento da fé”. Então, a fé é um acidente de percurso?!

Tem mais. Segundo o texto, nossa “mania” de ver intencionalidade nas coisas – nas nuvens, na chuva, nas estrelas – seria um efeito colateral da capacidade de prever ações e intenções de outras criaturas. Daí para a ideia de deuses por trás dessas coisas seria um passo natural. Quer dizer, então, que a informação especificada do DNA e a homoquiralidade, para mencionar apenas dois exemplos, seriam fruto de uma intencionalidade inexistente? Coisa da nossa cabeça programada pela evolução para ver intenções? Para mim, isso soa mais como um reforço das palavras de ordem de Francis Crick: “Os biólogos devem sempre ter em mente que aquilo que vêem não foi planejado, mas que evoluiu.” [MB]