
Recentemente, uma matéria da Revista Fórum argumentou que o criacionismo tem sido instrumentalizado pela “extrema direita global” como ferramenta política, especialmente sob o discurso de “valores cristãos” e combate à “doutrinação ideológica”. Será que esse é o propósito do movimento criacionista em si? A resposta, especialmente no contexto da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB) citada no texto, é: NÃO.
1. Crença vs. ativismo político: O que é o criacionismo?
O criacionismo, por definição, é a crença de que o Universo, a Terra e a vida foram criados por um agente sobrenatural, com intuito e propósito, e não fruto de processos puramente cegos e aleatórios. No Brasil, a SCB – fundada em 1972 consciente de seu vínculo denominacional e voltada ao estudo bíblico-científico – tem como foco central o ensino e a pesquisa em defesa do design inteligente e da visão bíblica da origem da vida, e não a promoção de agendas políticas.
2. Quando indivíduos usam crenças para fins políticos
É importante reconhecer que alguns políticos ou grupos podem usar a bandeira do criacionismo para avançar pautas conservadoras, transformando uma crença legítima em instrumento de controle cultural. Mas isso não caracteriza o movimento como um todo. Em entrevistas e palestras, já destaquei que a liberdade religiosa inclui o direito de exercer crenças sem que isso implique coerção nem imposição nas esferas públicas e escolares, princípio também defendido por acadêmicos cristãos e estudiosos de direitos humanos.
3. Comparação histórica: como Darwin foi usado politicamente
Antes de a teoria evolucionista se popularizar, ela já foi utilizada para justificar ideologias políticas, como o darwinismo social e, sim, até o nazismo. Mas ninguém afirma que o darwinismo é equivalente ao nazismo. Do mesmo modo, não é porque algumas correntes políticas utilizam o criacionismo como justificativa ideológica que isso torna o criacionismo inerentemente extremista ou autoritário.
4. SCB defendeu seriedade intelectual
Ao contrário de teorias conspiratórias ou pseudociências, a SCB já publicou documentos explícitos repudiando interpretações extremas como a Terra plana, deixando claro que rejeita distorções científicas ou religiosas extremistas. Ela prioriza a discussão de temas como datações geológicas, genética e sistemas biológicos, sempre ressaltando responsabilidade acadêmica e integridade científica.
5. Por que essa confusão?
Parte do problema vem da má compreensão pública do que exatamente o criacionismo defende. Muitos críticos confudem linhas de pensamento diferentes – criacionismo da Terra jovem, design inteligente, criacionismo teísta – e acabam pintando o movimento com uma tinta uniforme. Isso leva ao erro de associá-lo automaticamente com projetos políticos de direita ou conservadores. A verdade é que existem criacionistas em diferentes espectros teológicos e políticos, inclusive dentro da academia cristã moderada.
Conclusão
O uso político que alguns fazem do criacionismo é real, mas isso não define o movimento como um todo. A Sociedade Criacionista Brasileira preocupa‑se com a defesa da Bíblia e do entendimento da criação como intencional, não com legislar moralismos ou centralizar o ensino religioso nas escolas públicas. É possível sustentar crenças religiosas com convicção, consciência e diálogo aberto, sem conflito com o Estado laico ou os direitos civis.
Assim como não julgaríamos a evolução com base nos abusos dos regimes totalitários que a utilizaram, não devemos julgar o criacionismo com base nas agendas políticas de certos setores. É necessário critério, respeito à pluralidade e uma leitura justa da proposta criacionista: uma alternativa intelectual e religiosa que oferece significado, não controle.
