Marie Tharp utilizou centenas de perfis sísmicos para reconstruir a topografia do fundo do mar
Marie Tharp nasceu em 30 de julho de 1920, na cidade de Ypsilanti, Michigan. Quando jovem, ela acompanhou seu pai, um agrimensor do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, em suas atividades de campo. Ela também adorava ler e queria estudar literatura no St. John’s College, em Annapolis, mas mulheres não tinham permissão para participar dos cursos. Então, ela foi para a Universidade de Ohio, onde se formou em 1943.
Ela trabalhou por um curto período na indústria petrolífera, mas achou o trabalho pouco gratificante e decidiu retomar seus estudos na Universidade de Tulsa, Oklahoma. Em 1948, formou-se em matemática e conseguiu um emprego no Laboratório Geológico Lamont, na Universidade de Columbia.
Na época, a Marinha dos EUA estava interessada em mapear o fundo do mar, considerado de importância estratégica para a futura guerra submarina. Marie iniciou uma colaboração prolífica com o geólogo Bruce Charles Heezen, especialista em dados sísmicos e topográficos obtidos do fundo do mar. Por ser mulher, Marie não tinha permissão para embarcar nos navios de pesquisa. Em vez disso, ela interpretava e visualizava os dados coletados em seu laboratório, produzindo grandes mapas do fundo do mar desenhados à mão.
Ao interpolar e plotar as ecossondagens do fundo do mar coletadas pelos navios de pesquisa e após meses de trabalho detalhado e cuidadoso, em 1957, Marie Tharp observou uma série de vales e cristas no meio do Oceano Atlântico.
A existência de uma única crista sob o Oceano Atlântico foi descoberta durante a expedição do HMS Challenger em 1872, realizando medições de profundidade através do oceano. Em 1925, foi confirmado por sonar que a crista de origem desconhecida se estende ao redor do Cabo da Boa Esperança até o Oceano Índico, tornando-se uma das maiores cadeias de montanhas da Terra. Marie Tharp sugeriu que a dorsal mesoatlântica era, na verdade, uma série de vales em fenda, correndo paralelamente ao longo de um eixo central onde a nova crosta oceânica se forma, separando blocos de fundo marinho mais antigo, formando a topografia da crista. Sua ideia foi inicialmente rejeitada como “conversa de menina”. Até mesmo Heezen se recusou teimosamente a aceitar essa explicação para a dorsal, alegando que ela se assemelhava à hipótese “desmascarada” da deriva continental, proposta por Alfred Wegener em 1912.
Entre 1959 e 1977, ela continuou a trabalhar em vários mapas de grande escala, mostrando que as dorsais meso-oceânicas se estendiam por todo o planeta. Pintados por Heinrich C. Berann e baseados nos dados compilados por Marie Tharp e Bruce Heezen, uma série de cinco mapas batimétricos foi publicada na edição de outubro de 1967 da revista National Geographic, popularizando os primeiros conceitos de tectônica de placas. Ao plotar os epicentros dos terremotos nos mapas do fundo do mar, Tharp também conseguiu demonstrar que as cristas são sismicamente ativas, dando ainda mais crédito à sua interpretação das cristas como centros ativos de expansão. Essa observação provou que as placas continentais estão de fato se movendo.
Na década de 1960, o geólogo canadense John “Jock” T. Wilson introduziu, com as dorsais meso-oceânicas (onde a nova crosta se forma), as zonas de subducção (onde a crosta antiga afunda de volta no manto terrestre) e as falhas transformantes (que acomodam movimentos laterais), todos os elementos necessários para a tectônica de placas moderna. Harry Hammond Hess, comandante da Marinha dos EUA em Iwo Jima, garimpeiro na Zâmbia e posteriormente professor em Princeton, publicou em 1962 um artigo que se tornaria um dos trabalhos de geofísica mais citados de todos os tempos. Ele formulou a hipótese de que os movimentos da crosta são impulsionados por correntes de rocha derretida no manto terrestre, alimentadas pela energia térmica resultante da decomposição radioativa de minerais, fornecendo também um mecanismo convincente para a tectônica de placas.
Ao contrário de Alfred Wegener, que morreu em 1930, Marie Tharp viveu o suficiente para ver sua pesquisa se tornar uma parte fundamental da geologia moderna.
“Poucas pessoas podem dizer isso sobre suas vidas: o mundo inteiro se estendia diante de mim (ou pelo menos os 70% dele cobertos por oceanos). Eu tinha uma tela em branco para preencher com possibilidades extraordinárias, um quebra-cabeça fascinante para montar: mapear o vasto fundo marinho oculto do mundo. Foi uma oportunidade única na vida – uma oportunidade única na história do mundo – para qualquer pessoa, mas especialmente para uma mulher na década de 1940. A natureza da época, o estado da ciência e eventos grandes e pequenos, lógicos e ilógicos, combinaram-se para fazer tudo acontecer” (Marie Tharp, 1999, “Connect the Dots: Mapping the Seafloor and Discovering the Mid-ocean Ridge”. Lamont-Doherty Earth Observatory of Columbia: Twelve Perspectives on the First Fifty Years 1949-1999, chapter 2).
Quando criança, resolveu em minutos a tarefa de calcular a soma de todos os números inteiros de 1 a 100, usando raciocínio matemático, surpreendendo seu professor. Acho que você já deve ter escutado essa história. Ao longo da vida, alcançou grandes feitos: descobriu o método dos mínimos quadrados e o aplicou para calcular com precisão a órbita de corpos celestes, realizou estudos sobre o campo magnético da Terra, geometria não euclidiana, física teórica, álgebra e estatística (a curva de distribuição normal recebe o nome de “Gaussiana” em homenagem a ele). Mas e Deus? Como o “príncipe da Matemática” encarava o sobrenatural?
G. Dunnington, biógrafo de Gauss, escreve que “não é possível dizer com certeza quais eram as crenças de Gauss em relação à maior parte das doutrinas e questões confessionais. Oficialmente ele era um membro da Igreja de St. Albans (Luterana Evangélica) em Göttingen. Todos os batismos, funerais e casamentos de sua família ocorreram lá. Também não se sabe se ele frequentava a igreja regularmente ou se contribuía financeiramente. Um colega da universidade [de Göttingen] chamou Gauss de deísta, mas existem boas razões para crer que esse rótulo não se encaixa nele muito bem.”[1]
Muito comum entre intelectuais, cientistas e filósofos que buscavam conciliar crenças religiosas com os avanços da ciência e a visão racionalista do mundo nos períodos posteriores ao Iluminismo, o deísmo pode ser descrito como a crença em um Deus ou Criador que criou o Universo e suas leis naturais, mas que não intervém diretamente no mundo ou na vida das pessoas após a criação. De acordo com o biógrafo, o Deus de Gauss não era o “deus” dos deístas.
“O Deus de Gauss não era um fragmento frio e distante da Metafísica, nem uma caricatura distorcida de uma teologia amargurada. Ao homem não é concedida a plenitude do conhecimento que justificaria sua arrogância em acreditar que sua visão embaçada é a luz completa e que não pode haver outra luz que apresente a verdade como a sua. Para Gauss, não é aquele que balbucia sua crença, mas aquele que a vive, que é aceito. Ele acreditava que uma vida dignamente vivida aqui na Terra é a melhor, e única preparação para o Céu. Religião não é uma questão de literatura, mas de vida. A revelação de Deus é contínua, não limitada a tábuas de pedra ou pergaminhos sagrados. Um livro é inspirado quando ele inspira. A inabalável ideia de continuidade pessoal após a morte, a firme crença em um Regular Supremo das coisas, em um Deus eterno, justo, onisciente e onipotente, formou a base de sua vida religiosa, que se harmonizou completamente com sua pesquisa científica.”[2]
A presença de uma crença na “continuidade pessoal após a morte” é um atestado forte contra um possível deísmo de Gauss. Felizmente, um dos últimos episódios da vida do matemático lança luz sobre a compreensão dele sobre esse tópico. Dunnington registra uma série de visitas feitas a ele por Rudolf Wagner, um de seus amigos mais íntimos, durante seus últimos meses de vida.
“Quando Wagner foi embora, Gauss lhe deu o livro de Whewell para ler [William Whewell, Of the plurality of worlds, 1853]. Enquanto Wagner atravessava o pátio do observatório, notou na capa de papel branco do livro várias referências bíblicas, na caligrafia cuidadosa de Gauss. Ele percebeu imediatamente a que se referiam e decidiu perguntar a Gauss sobre elas na próxima vez. ‘Permita-me uma pergunta: na capa, você anotou várias trechos da Bíblia. Gostaria de saber de qual fonte vieram e com que propósito?’ Gauss respondeu: ‘Ah, você quer dizer estes?’ Ele apontou para eles. ‘São trechos que se referem à imortalidade. No momento, não consigo dizer de onde veio essa coleção de textos. Mas acho que esses trechos não são tão marcantes e coerentes. Em geral, caro colega, acredito que você acredita mais na Bíblia do que eu. Eu não acredito, e’, ele acrescentou, com expressão de grande emoção interior, ‘você é muito mais feliz do que eu. Devo dizer que, muitas vezes, em tempos passados, quando via pessoas das classes mais baixas, simples trabalhadores manuais que podiam acreditar tão verdadeiramente com seus corações, eu sempre os invejei, e agora’, ele continuou, com voz suave e aquele jeito ingênuo e infantil peculiar a ele, enquanto uma lágrima surgia em seu olho, ‘diga-me, como se começa isso?’
“Wagner foi tomado por uma grande emoção e sentiu-se um tanto constrangido quanto à forma de responder. Ele relata que percebeu toda a seriedade e grandeza do momento. A maneira como Gauss fez a pergunta o lembrou da antiga e frequentemente mencionada questão: ‘O que devo fazer para herdar a vida eterna?'”[3]
Dunnington registra as tais referências bíblicas nas notas de rodapé, oferecendo-nos um vislumbre do teor do possível estudo bíblico que Gauss tinha realizado sobre o assunto:
Daniel 12:1-3 – “Nesse tempo, Se levantará Miguel, o Grande Príncipe, o defensor dos filhos do povo de Deus, e haverá tempo de angústia, como nunca houve, desde que existem nações até aquele tempo. Mas, naquele tempo, o povo de Deus será salvo, todo aquele que for achado inscrito no livro. Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, outros para vergonha e horror eterno. Os que forem sábios resplandecerão como o fulgor do firmamento, e os que conduzirem muitos à justiça brilharão como as estrelas, sempre e eternamente.”
Jó 19:25 – “Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim Se levantará sobre a terra.”
Salmo 17:15 – “Eu, porém, na justiça contemplarei a Tua face; quando acordar, me satisfarei com a Tua semelhança.”
Salmo 49:15 – “Mas Deus remirá a minha alma do poder da morte, pois Ele me tomará para Si.”
Salmo 16:9-11: “Por isso o meu coração se alegra e o meu espírito exulta; até o meu corpo repousará seguro. Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção. Tu me farás ver os caminhos da vida; na Tua presença há plenitude de alegria, à Tua direita, há delícias perpetuamente.”
Eclesiastes 12:6, 7 – “Lembre-se do seu Criador, antes que se rompa o fio de prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro junto à fonte, e se desfaça a roda junto ao poço, e o pó volte à terra, de onde veio, e o espírito volte a Deus, que o deu.”
Isaías 26:19 – “Os teus mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão. Despertem e cantem de alegria, vocês que habitam no pó, porque o teu orvalho, ó Deus, será como o orvalho de vida, e a terra dará à luz os seus mortos.”
Todos os textos coincidem em tratar, de certa forma, da doutrina bíblica da ressurreição dos salvos, por ocasião da segunda vinda de Cristo. Será que, em seus últimos momentos de vida, Gauss foi tocado pelas palavras das Escrituras e confortado pela esperança do breve retorno de Jesus?
Numa carta a outro amigo, Gauss, aos 69 anos, declarou: “É o triste destino da velhice ver gradualmente se afastar de nós tanto do que nos era próximo e querido, e nos vermos cada vez mais isolados, e não há consolo nisso, exceto a perspectiva de uma ordem mundial superior que um dia equilibrará tudo.”[4]
O apóstolo Paulo expressou a mesma verdade quando disse, em sua primeira carta aos Coríntios: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos as pessoas mais infelizes deste mundo.”[5]
Paulo continua: “Nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados.”[6] Gosto de crer que Gauss compartilhava firmemente dessa esperança.
Carl Friedrich Gauss descansou há 170 anos, no dia 23 de fevereiro de 1855. Está sepultado em Göttingen, na Alemanha. É reconhecido como um dos maiores gênios da Humanidade, o “príncipe da Matemática”. Cerca de 20 anos depois, a Alemanha de Gauss receberia John N. Andrews e Jakob Erzberger, pregadores das três mensagens angélicas para o tempo do fim.
Estamos no fim desse tempo do fim. Logo veremos Cristo nas nuvens, trazendo consigo a consumação da promessa tão aguardada por milhares. Nesse dia, almejo estar, junto com Gauss, cantando a plenos pulmões: “Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a sua vitória? Onde está, ó morte, o seu aguilhão? Graças a Deus, que nos dá a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”.[7]
“A consciência religiosa de Gauss baseava-se em uma sede insaciável pela verdade.”[8] A Eternidade ao lado Daquele que declarou: “Se alguém tem sede, venha a Mim e beba” será um presente incalculável para ele…
(Thiago Somolinos Soldani é esposo da Rebeca, geólogo e adventista do sétimo dia)
Referências:
1. Dunnington, G. Waldo. 2004. “Carl Friedrich Gauss, titan of science”, The Mathematical Association of America, p. 300. Acesso via: https://archive.org/details/carlfriedrichgau0000dunn 2. Idem, p. 301 3. Idem, p. 304, 305 4. Idem, p. 313 5. 1 Coríntios 15:17 6. 1 Coríntios 15:51, 52 7. 1 Coríntios 15:54-57 8. Dunnington, 2004. p. 300
A verdadeira história em torno de Galileu Galilei não se trata de um cientista iluminado perseguido pela mesquinha Igreja Católica, visto que essa história é (em grande parte) um mito. Não é também a história de um grande gênio científico, embora ele tenha sido (em grande medida) isso mesmo. Não é também a história de alguém reencarnado com a alma do antigo astrônomo, tal como se ouve na canção das Indigo Girls, de 1992, que eu julguei ser (em grande medida) profunda. (Devo ressalvar também que não é a história verdadeira, mas, sim, uma que teve suas origens em outras fontes.) Mas como todas as boas histórias, ela nos disponibiliza uma lição (em grande medida) valiosa. Nos dias de Galileu, a visão predominante na astronomia era o modelo inicialmente proposto por Aristóteles e desenvolvido mais tarde por Cláudio Ptolomeu, em que o Sol e os planetas giravam em torno da Terra. O sistema ptolomaico foi o paradigma dominante durante mais de 1.400 anos, até que um cônego da Igreja Católica chamado Nicolau Copérnico publicou sua obra pioneira, com o nome De revolutionibus orbium coelestium (Da revolução de esferas celestes).
Convém notar que a teoria heliocêntrica de Copérnico não era exatamente nova nem era somente baseada nas observações empíricas. Embora ela tenha tido um impacto enorme na história da ciência, sua teoria foi mais um reflorescimento do misticismo de Pitágoras do que um novo paradigma. Tal como todas as grandes descobertas, ele apenas pegou uma ideia antiga e deu-lhe novas roupagens.
Embora os colegas eclesiásticos de Copérnico o tenham encorajado a publicar seu trabalho, ele atrasou a publicação durante vários anos, devido aos seus receios de ser ridicularizado pela comunidade científica. A essa altura, o mundo acadêmico pertencia aos aristotélicos e eles não tinham planos de deixar esse absurdo passar pelo seu processo de “revisão por pares” (peer review).
Foi então que chegou Galileu, o protótipo do homem da Renascença – cientista, brilhante, matemático e músico. E embora ele fosse inteligente, encantador e espirituoso, era também argumentativo, debochado e vaidoso. Pode-se dizer que ele era um homem complexo. Seu colega astrónomo Johannes Kepler escreveu-lhe uma carta dizendo que havia se convertido à teoria de Copérnico. Galileu escreveu-lhe de volta dizendo que também ele havia se convertido a essa teoria, e que havia anos que já assinava embaixo dela (embora todas as evidências revelem que isso não era verdade). Seu ego não lhe permitiria que fosse suplantado por pessoas que não eram tão inteligentes como ele; e, para Galileu, isso incluía praticamente todas as pessoas.
Em 1610, Galileu usou seu telescópio para fazer algumas descobertas surpreendentes que colocaram em cheque a cosmologia aristotélica. Embora suas descobertas não derrubassem propriamente o paradigma dos seus dias, elas foram bem recebidas pelo Vaticano e pelo papa Paulo V. No entanto, em vez de dar seguimento aos seus estudos científicos e à solidificação das suas teorias, Galileu deu início a uma campanha de descrédito da visão aristotélica da astronomia. (Nos dias de hoje, isso seria o mesmo que tentar destronar a teoria da evolução). Galileu sabia que estava certo e queria se certificar de que todos soubessem que os aristotélicos estavam errados.
Tudo o que Galileu conseguiu quando tentou forçar o copernicanismo pela garganta abaixo dos seus colegas cientistas foi desperdiçar a boa vontade que havia sido estabelecida dentro da Igreja. Galileu estava tentando forçar os outros a aceitar uma teoria que, por aquela altura, ainda não estava provada. Graciosamente, a Igreja ofereceu-se para considerar o copernicanismo como uma hipótese razoável, embora uma hipótese superior ao sistema ptolomaico, até que mais evidências fossem disponibilizadas.
Galileu, no entanto, nunca chegou a apresentar mais evidências para apoiar sua teoria. Em vez disso, continuou a provocar guerras com seus colegas cientistas, embora muitas das suas conclusões estivessem sendo refutadas pelas evidências (por exemplo, a tese de que os planetas orbitam em torno do Sol em círculos perfeitos).
Os erros de Galileu – O primeiro erro de Galileu foi o de transladar a luta do campo da ciência para dentro da interpretação Bíblica. Num ataque de arrogância, Galileu escreveu a “Carta a Castelli”, de modo a explicar que sua teoria não era incompatível com a adequada exegese bíblica. Com a Reforma Protestante ainda fresca na mente, as autoridades da Igreja não estavam com vontade de ter outra figura perturbadora tentando interpretar as Escrituras por conta própria.
Mas, para crédito da Igreja Católica, eles não reagiram de forma inadequada. A “Carta a Castelli” foi por duas vezes apresentada à Inquisição como um exemplo da heresia do astrónomo, e por duas vezes as acusações foram rejeitadas. No entanto, Galileu não estava satisfeito e deu continuidade aos seus esforços de forçar a Igreja a conceder que o sistema de Copérnico era um assunto de verdade irrefutável.
Em 1615, o cardeal Robert Bellarmine educadamente apresentou a Galileu uma opção: evidências ou boca fechada. Como por essa altura ainda não haviam sido apresentadas evidências de que a Terra orbitava em volta do Sol, não havia motivo para que Galileu andasse um pouco por todo o lado tentando alterar a leitura aceita das Escrituras. Mas se ele tinha algum tipo de evidências, a Igreja estaria disposta a reconsiderar sua posição. A resposta de Galileu foi a de apresentar a teoria de que as marés dos oceanos eram causadas pela rotação da Terra. A ideia não só estava cientificamente errada, como era tão ridícula que foi rejeitada até pelos seguidores de Galileu.
Farto de ver suas alegações rejeitadas, Galileu regressou a Roma para apresentar seu caso ao papa. O pontífice, no entanto, meramente passou o assunto ao Santo Ofício, que emitiu a opinião de que a doutrina copernicana era “ridícula e absurda, filosoficamente e formalmente herética, visto que contradizia de modo expresso a doutrina da Santa Escritura em muitas passagens”. O veredito foi rapidamente anulado por outros cardeais da Igreja.
Galileu, no entanto, não estava com disposição para abandonar as coisas, e, para irritação geral, voltou a forçar o assunto. O Santo Ofício educadamente, mas firmemente, disse-lhe para se calar em torno do assunto copernicano e proibiu-o de adotar a teoria ainda não provada. Claro que isso era mais do que ele estava disposto a fazer.
Quando seu amigo finalmente tomou conta do trono papal, Galileu pensou que por fim teria um ouvido simpático. Ele discutiu o assunto com o papa Urbano VIII, um homem com conhecimento nas áreas da matemática e da ciência, e tentou usar sua teoria das marés para convencer Urbano da validade da sua teoria. O papa não ficou convencido com a tese de Galileu, e chegou até a dar-lhe uma resposta (embora inválida) que refutou a noção.
Depois disso, Galileu escreveu Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo (Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo), no qual ele iria apresentar os pontos de vista de Copérnico e o de Ptolomeu. Três personagens estariam envolvidos: Salviati, o Copernicano; Sagredo, o Indeciso; e Simplício, o Ptolomaico. (O nome “Simplício” escolhido com o propósito de implicar “simplório”).
E foi nessa ocasião que o nosso herói cometeu seu maior erro: Galileu pegou nas palavras que o papa Urbano tinha usado para refutar sua teoria das marés, e colocou-as na boca de Simplício. O papa não gostou nem um pouco disso.
Galileu, que era agora velho e doente, foi mais uma vez chamado perante a Inquisição, e ao contrário da maioria das pessoas acusadas de heresia, ele foi tratado de uma forma surpreendentemente boa. Enquanto esperava pelo julgamento, Galileu foi alojado num apartamento luxuoso com vista para os jardins do Vaticano, e foi colocado ao seu dispor um criado pessoal.
Na defesa que ele mesmo fez durante o julgamento, Galileu tentou usar uma tática peculiar: tentou convencer os juízes de que ele nunca havia mantido nem defendido a opinião de que a Terra gira em torno do Sol, e de que o Sol está imóvel, e que, na verdade, ele havia demonstrado o oposto, mostrando que a hipótese copernicana estava errada. O Santo Oficio, sabendo que essa linha de defesa era uma forma de tomar por tolos os membros do Santo Ofício, condenou-o por ser “altamente suspeito de heresia”, uma decisão claramente injusta, levando em conta que o copernicanismo nunca havia sido considerado herético.
A sentença de Galileu foi a de renunciar à sua teoria e viver o resto da sua vida numa agradável casa de campo, perto de Florença. Claramente, o exílio fez-lhe bem porque foi aí, sob os cuidados da sua filha Maria Celeste, que ele continuou suas experiências e publicou seu melhor trabalho científico: Discorsi e dimostrazioni matematiche, intorno à due nuove scienze. Por fim, Galileu morreu tranquilamente com a idade madura de 77 anos.
Tal como o filósofo Alfred North Whitehead escreveu: “Numa geração que viu a Guerra dos Trinta Anos, e se lembrou [do Duque] de Alva na Holanda, a pior coisa que aconteceu a um homem da ciência foi que Galileu sofreu uma detenção honrada e uma repreensão suave antes de morrer em paz na sua própria cama.”
Tal como diria Paul Harvey, agora sabemos o resto da história.
Momento de aprendizagem – O que se pode reter da história envolvendo Galileu? O que se pode aprender é que ela providencia lições diferentes para grupos diferentes:
– Para os cientistas, essa história demonstra que se você esta de acordo com a maior parte dos seus colegas, quase com certeza será esquecido ao mesmo tempo que a história se lembrará de um rabugento qualquer.
– Para os proponentes de posições não consensuais (por exemplo, céticos do aquecimento global, teóricos do Design Inteligente, etc.), ela ensina que alegar que a sua teoria está correta não é substituto para a apresentação de experiências e dados (mesmo que se esteja certo).
– Para as pessoas agressivamente autoconfiantes, a lição a aprender é que às vezes ser persistente e acreditar no que se diz pode causar problemas.
– Para os católicos, a história de Galileu ensina que não se deve insultar o papa (muito menos quando existe uma Inquisição).
Desconfio que muitas outras lições podem ser aprendidas dessa história, mas acho que a verdadeira moral não é tanto aquela que se encontra dentro dela, mas, sim, no fato de ela precisar ser contada. Embora eu tenha ouvido essa história pela primeira vez quando me encontrava na escola primária, só muito depois de me ter licenciado é que finalmente aprendi a verdade.
Sem dúvida que há pessoas que estão agora mesmo conhecendo dos detalhes da história pela primeira vez. Como isso é possível? Desconfio que seja porque, durante muitos séculos, pessoas tais como Bertrand Russell, George Bernard Shaw, Carl Sagan, Bertolt Brecht e as Indigo Girls têm passado o mito de geração em geração. Não acredito que alguns deles estivesse mentindo intencionalmente.
De fato, tenho sérias duvidas de que algum deles se tenha dado ao trabalho de investigar os fatos. Eles nem tinham necessidade de fazer isso, visto que a história oficial estava de acordo com o que eles já acreditavam – que a ciência e a religião são inimigos naturais –, e isso é tudo o que eles precisavam saber.
Seria bem fácil desfrutar tal credulidade e preguiça intelectual, mas a verdade é que muito provavelmente eu também sou culpado do mesmo com relativa frequência. Talvez seja pelo fato de eu ser jornalista (mais ou menos) e estar mais disposto a acreditar na versão mais interessante da história. Como editor de um jornal, favoreci Davi sobre Golias, mesmo quando o poderoso Filisteu era mais crível que a pessoa a atirar as pedras. “Rapaz pastor mata gigante poderoso” sempre é um título melhor de jornal.
No entanto, como cristão, não tenho a opção de favorecer a posição que irá vender mais jornais. Em vez disso, minha obrigação é me colocar do lado da verdade. Quando me deparo com uma história que se ajusta com os meus planos, é meu dever investigar todos os fatos relevantes antes de aceitá-la como um evangelho.
Nem sempre posso ter a certeza absoluta sobre em que lugar a verdade se encontra, mas uma coisa é certa: é aí que Deus estará.
Nota: “A sentença de Galileu foi a de renunciar à sua teoria e viver o resto da sua vida numa agradável casa de campo, perto de Florença. Claramente, o exílio fez-lhe bem porque foi aí, sob os cuidados da sua filha Maria Celeste, que ele continuou suas experiências e publicou seu melhor trabalho científico: Discorsi e dimostrazioni matematiche, intorno à due nuove scienze. Por fim, Galileu morreu tranquilamente com a idade madura de 77 anos.”
Analise dessa afirmação do autor do texto:
Não, a ideia de que Galileu viveu “tranquilamente” em uma “agradável casa de campo” após sua condenação é uma distorção da realidade histórica.
1. Prisão domiciliar, não exílio voluntário • Galileu foi condenado pela Inquisição em 1633 e sentenciado à prisão domiciliar pelo resto da vida. Ele passou os primeiros meses sob custódia do arcebispo de Siena e, depois, foi autorizado a residir em sua casa em Arcetri, nos arredores de Florença. • Apesar de ser sua própria residência, ele estava proibido de sair e de ter contatos intelectuais livres, sendo monitorado pela Inquisição.
2. Saúde debilitada e dificuldades • Ele já tinha problemas de saúde, que se agravaram na prisão domiciliar. Com o tempo, ficou cego e sofreu com dores severas, incluindo artrite. • Sua filha Maria Celeste, que lhe dava apoio emocional e prático, faleceu em 1634, deixando-o ainda mais isolado.
3. Publicação de suas obras sob censura • Ele não tinha liberdade para publicar na Itália e precisou recorrer a contatos no exterior para que Discorsi e Dimostrazioni Matematiche, Intorno a Due Nuove Scienze fosse publicado em 1638 na Holanda. • Isso foi um grande risco, pois ele ainda estava sob vigilância da Igreja.
4. Morte sem reabilitação • Galileu faleceu em 1642, ainda sob prisão domiciliar, sem que sua condenação fosse anulada. Sua reabilitação formal pela Igreja Católica só veio séculos depois, quando o Papa João Paulo II reconheceu o erro em 1992.
Portanto, não foi uma aposentadoria tranquila em uma casa de campo, mas sim uma prisão domiciliar com restrições severas, doenças e dificuldades emocionais.
Uma análise sobre um último problema que observei nesse trecho:
“Convém notar que a teoria heliocêntrica de Copérnico não era exatamente nova nem era somente baseada nas observações empíricas. Embora ela tenha tido um impacto enorme na história da ciência, sua teoria foi mais um reflorescimento do misticismo de Pitágoras do que um novo paradigma. Tal como todas as grandes descobertas, ele apenas pegou uma ideia antiga e deu-lhe novas roupagens.”
Há problemas nesse trecho, tanto em termos de precisão histórica quanto na interpretação do impacto do heliocentrismo copernicano.
Aqui estão alguns desses problemas:
“A teoria heliocêntrica de Copérnico não era exatamente nova”
Parcialmente verdadeiro. O modelo heliocêntrico já havia sido proposto na antiguidade, principalmente por Aristarco de Samos (século III a.C.), mas sua teoria não teve grande aceitação. No entanto, Copérnico não simplesmente resgatou uma ideia antiga – ele desenvolveu um modelo matemático detalhado, fundamentado em cálculos astronômicos, para substituir o geocentrismo ptolemaico.
“Nem era somente baseada nas observações empíricas”
Verdadeiro, mas impreciso. A teoria de Copérnico era baseada em cálculos matemáticos, mas tinha suporte em observações astronômicas da época, embora limitadas. O grande avanço empírico só veio depois, com Kepler e Galileu, que usaram observações telescópicas e leis matemáticas para fortalecer o modelo heliocêntrico.
“Sua teoria foi mais um reflorescimento do misticismo de Pitágoras do que um novo paradigma”
Falso e anacrônico. Embora Copérnico tenha sido influenciado pela tradição pitagórica (que via a matemática como uma estrutura fundamental do cosmos), seu modelo não era místico, mas matemático e astronômico. Ele propôs um sistema coerente para explicar os movimentos planetários sem precisar dos epiciclos complexos de Ptolomeu.
O heliocentrismo copernicano de fato inaugurou um novo paradigma, pois desafiou diretamente a cosmologia aristotélica e ptolemaica que dominava o pensamento medieval.
“Tal como todas as grandes descobertas, ele apenas pegou uma ideia antiga e deu-lhe novas roupagens.”
Simplificação excessiva. Copérnico não apenas “reviveu” uma ideia antiga – ele criou um sistema matemático detalhado e coerente, que lançou as bases para a revolução científica. Esse sistema foi essencial para que astrônomos como Kepler e Newton desenvolvessem a mecânica celeste moderna.
Dizer que ele apenas “deu novas roupagens” ignora a inovação matemática e conceitual do seu trabalho
Conclusão:
O trecho contém elementos verdadeiros, mas apresenta distorções e omissões que levam a uma interpretação equivocada da importância do heliocentrismo copernicano. O modelo de Copérnico não foi apenas uma ideia antiga renovada, mas um passo decisivo na revolução científica.
P.S: A referência a Pitágoras vem do interesse de Copérnico e de outros renascentistas pela harmonia matemática do universo, mas dizer que o heliocentrismo era apenas um “reflorescimento do misticismo pitagórico” é um exagero. Copérnico não baseou sua teoria em crenças místicas, mas em cálculos matemáticos e na tentativa de criar um modelo mais simples e coerente para explicar o movimento dos planetas.
(Dr. Josué Cardoso dos Santos, matemático e astrônomo que trabalha como professor de Engenharia Aeroespacial na Universidade do Colorado [UCCS], EUA)
O livro Inventando a Terra Plana (Sociedade Criacionista Brasileira, 2020), de Jefrey Burton Russel, historiador e pesquisador da Universidade da Califórnia, mostra convincentemente que a ideia da Terra plana foi uma elaboração mais ou menos recente. Embora hoje se saiba que os europeus renascentistas tenham supervalorizado a ideia de que houve um período de mil anos de trevas intelectuais entre o mundo clássico e o moderno, Russel acredita que o erro da Terra plana não havia sido incorporado à ortodoxia moderna antes do século 19. “[Russel] descobriu o fio da meada nos escritos do americano Washington Irving e do francês Antoine-Jean Letronne [responsáveis pela posterior propagação do mito da Terra plana]. Mas sua disseminação no pensamento convencional ocorreu entre 1870 e 1920, como consequência da ‘guerra entre a ciência e a religião”, quando para muitos intelectuais na Europa e nos Estados Unidos toda religião tornou-se sinônimo de superstição e a ciência tornou-se a única fonte legítima da verdade. Foi durante os últimos anos do século 19 e os primeiros anos do século 20 que a viagem de Colombo tornou-se então um símbolo amplamente divulgado da futilidade da imaginação religiosa e do poder libertador do empirismo científico. […] os pensadores medievais, da mesma forma que os clássicos que os antecederam, criam na redondeza da Terra” (p. 10).
Irving (1783-1859) retocou a história para parecer que a oposição à viagem de Colombo se deveu ao pensamento de que a Terra fosse plana. Isso foi provado falso. A oposição se deveu, na verdade, à preocupação com a distância que os navegadores teriam que percorrer. A esfericidade da Terra não foi tema de discussão naquela ocasião.
O fato é que nem Cristóvão Colombo, nem seus contemporâneos pensavam que a Terra fosse plana. Não há uma referência sequer nos diários do navegador (e de outros exploradores) que levante a questão da redondeza da Terra, o que indica que não havia contestação alguma a esse respeito, na época. Assim, segundo Russel, é comum a regra de Edward Grant de que no século 15 não havia pessoas cultas que negassem a redondeza da Terra. No entanto, esse mito permanece até hoje, firmemente estabelecido com a ajuda dos meios de comunicação e dos livros didáticos. Com que interesse?
Para Russel, o mito da Terra plana pode ser rastreado até o século 19, especialmente a partir de 1870, à medida que autores de livros-textos se envolveram na controvérsia em torno do darwinismo. “No início do século [20] a força dominante subjacente ao erro [da Terra plana] foi o anticlericalismo do Iluminismo no seio da classe média na Europa, e o anticatolicismo nos Estados Unidos” (p. 35).
Antes disso, na Divina Comédia, o poeta Dante Alighieri (1265-1321) já apresentava o conceito de uma Terra redonda. Os filósofos escolásticos, incluindo o maior deles, Tomás de Aquino (1225-1275), conhecedores de Aristóteles, igualmente afirmavam a esfericidade da Terra.
No entanto, como os escolásticos e filósofos medievais se baseavam em Aristóteles e este defendia a esfericidade da Terra, os iluministas tiveram que arranjar outros referenciais para dizer que o mito se baseava neles. E os encontraram em Lactâncio (245-325 d.C.) e Cosme Indicopleustes, autor de Topografia Cristã (escrito entre 547 e 549 d.C.). Só que, segundo Russel, Lactâncio tinha ideias muito estranhas sobre Deus e não foi levado em consideração na Idade Média (na verdade, foi considerado herege) – até que os humanistas da Renascença o “ressuscitassem”, apregoando sua suposta influência. Indicopleustes, partindo de escritos de filósofos pagãos e interpretando erroneamente textos bíblicos poéticos, defendeu a ideia da Terra plana. Era ignorado, ao invés de seguido.
Detalhe: a primeira tradução de Cosme para o latim não foi feita senão em 1706. Portanto, como poderia ele ter tido influência sobre o pensamento ocidental medieval?
Russel arremata: “[Lactâncio e Cosme] foram símbolos convenientes a serem usados como armas contra os antidarwinistas. Em torno de 1870, o relacionamento entre a ciência e a teologia estava começando a ser descrito através de metáforas bélicas. Os filósofos (propagandistas do Iluminismo), particularmente [David] Hume, haviam plantado uma semente ao implicar que estavam em conflito os pontos de vista científicos e cristãos. Augusto Comte (1798-1857) havia argumentado que a humanidade estava laboriosamente lutando para ascender em direção ao reinado da ciência; seus seguidores lançaram o corolário de que era retrógrado tudo o que impedisse o advento do reino da ciência. Seu sistema de valores percebia o movimento em direção à ciência como ‘bom’, de tal forma que o que atrapalhasse esse movimento era ‘mau’. (…) O erro [da Terra plana] foi, desta forma, incluído no contexto de uma controvérsia muito maior – a alegada guerra entre ciência e religião” (p. 67, 77).
O próprio Copérnico (1453-1543), no prefácio de seu clássico trabalho De Revolutionibus, usou Lactâncio para ilustrar como a ignorância dos opositores à ideia da Terra esférica era comparável à dos que insistiam no geocentrismo. Curiosamente, Copérnico não diz que Lactâncio era típico do pensamento medieval. Esse prefácio foi enviado para o papa a fim de obter aprovação eclesiástica. Copérnico não atacaria Lactâncio e sua ideia da Terra plana, se a igreja estivesse de acordo com esse pensamento. O problema, como já vimos, teve que ver com o geocentrismo aristotélico versus heliocentrismo, e não com o formato da Terra.
De vez em quando, alguém pergunta o que exatamente Deus teria feito para efetuar o milagre do retrocesso de 10 graus na sombra no relógio de sol de Acaz (2 Reis 20:11). Temos alguma pista sobre isso?
O caso é bastante semelhante ao do dia longo de Josué, o qual, segundo evidências arqueológicas, foi um fenômeno mundial, pois correspondeu a uma noite longa nas Américas. Isso indica que a Terra parou de girar no caso de Josué e chegou a retroceder no caso de Acaz. Um contra-argumento comum é o de que um fenômeno assim seria catastrófico a ponto de provavelmente eliminar a vida na Terra. Para ter uma ideia em miniatura do problema, basta imaginar um carro viajando em alta velocidade por uma estrada e tendo sua velocidade reduzida a zero muito rapidamente ao bater contra uma rocha. O carro provavelmente seria destruído e seus ocupantes obviamente morreriam no processo. Portanto, alguma outra coisa deve ter ocorrido tanto no caso do relógio de Acaz quanto no dia longo de Josué, certo. Na verdade, esse é um argumento falacioso (enganoso).
Usaremos de um certo abuso de linguagem para tornar a explicação mais acessível.
Aproveitemos a analogia do carro para examinar o problema um pouco mais de perto em uma situação menos extrema. Imagine o carro viajando a uma velocidade de, digamos, 100 km/h. Quando o freio é acionado, ele faz com que surja uma força (torque, mais precisamente) que tende a fazer com que as rodas parem de girar. Por causa do atrito entre os pneus e a estrada, o efeito final é que o carro é afetado por uma força em sentido contrário a seu deslocamento, causando uma “desaceleração” (uma aceleração em sentido contrário ao do movimento).
Por causa da inércia (tendência natural a permanecer no mesmo estado de movimento), os ocupantes do carro tendem a continuar viajando com a mesma velocidade ao passo que o veículo tende a deslocar-se cada vez mais lentamente. Isso dá às pessoas a sensação de serem impulsionadas para a frente, pois sua percepção baseia-se no referencial do carro. Mesmo de olhos fechados, os ocupantes podem saber quando o carro aumenta ou diminui sua velocidade por causa desse efeito de inércia. Se a alteração de velocidade for muito abrupta, o resultado pode ser fatal. A causa do problema está nas forças que as partes do veículo impõem umas sobre as outras e sobre os passageiros. Isso ocorre porque a força de frenagem ou de aumento de velocidade é aplicada a uma parte do veículo e então transmitida, por meio dela a todas as demais partes bem como aos ocupantes. Se essas forças forem suficientemente grandes, podem destruir tudo.
O que aconteceria se a mesma aceleração aplicada ao eixo das rodas também fosse aplicada a cada partícula do veículo e de seus ocupantes? Nesse caso, não haveria tensão entre partes do veículo nem entre elas e os ocupantes. De fato, seria impossível perceber a aceleração sem observar o ambiente externo ao carro. A aceleração poderia ser altíssima ou muito baixa e os ocupantes do veículo não sentiriam a diferença.
Para frear ou acelerar um carro dessa maneira, seria necessário um “campo de forças” ou, mais precisamente, um campo de acelerações. Pode parecer ficção científica, mas a gravidade funciona exatamente assim. Um carro sobre uma rampa a uma velocidade suficientemente alta, ao terminar a subida, pode perder contato com a rampa e ter sua componente vertical da velocidade freada rapidamente pela gravidade sem que isso faça com que os ocupantes do veículo sejam projetados violentamente para o teto. Apenas tendem a acompanhar naturalmente o movimento do carro, uma vez que a mesma aceleração da gravidade que atua sobre o veículo, atua também sobre eles. Nenhum efeito catastrófico ocorre a não ser quando batem no solo.
Campos gravitacionais também podem atuar de outras maneiras. Existe, por exemplo, o efeito Lense-Thirring, previsto em 1918: um objeto com grande massa e em alta velocidade de rotação pode “arrastar” o espaço ao seu redor induzindo movimentos tangenciais em objetos ao seu redor, fazendo com que órbitas em torno do objeto central sofram precessão.
Após esse passeio por noções de Física básica, podemos voltar nossa atenção ao problema do relógio de Acaz e o do dia longo de Josué. Se o torque aplicado para deter ou mesmo inverter a rotação da Terra fosse aplicado na forma de um campo que afeta cada partícula da mesma forma, não haveria qualquer efeito perceptível a não ser a alteração no movimento em relação a referenciais externos. E Deus poderia fazer isso sem violar qualquer lei física.
(Eduardo Lütz é bacharel em Física e mestre em Astrofísica Nuclear pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Especulações nunca faltam, mas que dizem os fatos?
Cientistas britânicos conseguiram decifrar as inscrições cuneiformes de um bloco de argila datado de 700 a.C. e descobriram que se trata do testemunho feito por um astrônomo sumério sobre a passagem de um asteroide – que pode ter causado a destruição das cidades de Sodoma a e Gomorra. Conhecido como “Planisfério”, o bloco foi descoberto por Henry Layard em meados do século 19 e permanecia como um mistério para os acadêmicos. O objeto traz a reprodução de anotações feitas pelo astrônomo há milhares de anos.
Utilizando técnicas computadorizadas que simulam a trajetória de objetos celestes e reconstroem o céu observado há milhares de anos, os pesquisadores Alan Bond, da empresa Reaction Engines, e Mark Hempsell, da Universidade de Bristol, descobriram que os eventos descritos pelo astrônomo são da noite do dia 29 de junho de 3123 a.C. (calendário juliano).
Segundo os pesquisadores, metade do bloco traz informações sobre a posição dos planetas e das nuvens, e a outra metade é uma observação sobre a trajetória do asteroide de mais de um quilômetro de diâmetro.
De acordo com Mark Hempsell, pelo tamanho e pela rota do objeto, é possível que este se tratasse de um asteroide que teria se chocado contra os Alpes austríacos, na região de Köfels, onde há indícios de um deslizamento de terra grande.
O asteroide não deixou cratera que pudesse evidenciar uma explosão. Isso se explica, segundo os especialistas, porque o asteróide teria voado próximo ao chão, deixando um rastro de destruição por conta de ondas supersônicas, e se chocado contra a Terra em um impacto cataclísmico.
Segundo os pesquisadores, o rastro do asteroide teria causado uma bola de fogo com temperaturas de até 400 ºC e teria devastado uma área de aproximadamente 1 milhão de quilômetros quadrados.
Hempsell afirma que a escala da devastação se assemelha à descrição da destruição de Sodoma e Gomorra, presente no Velho Testamento, e de outras catástrofes mencionadas em mitos antigos.
O pesquisador sugere ainda que a nuvem de fumaça causada pela explosão do asteroide teria atingido o Sinai, algumas regiões do Oriente Médio e o norte do Egito. Hempsell afirma que mais pessoas teriam morrido por conta da fumaça do que pelo impacto da explosão nos Alpes.
Segundo a Bíblia, Sodoma e Gomorra foram destruídas por Deus como resposta a atos imorais praticados nas cidades. Acredita-se que elas eram localizadas onde hoje fica o Mar Morto.
Nota: Certa vez, entrevistei o arqueólogo Dr. Paulo Bork (a entrevista foi publicada no meu livro Por Que Creio) e ele me disse o seguinte: “Escavamos aquela região [de Sodoma e Gomorra] por vários anos e descobrimos coisas muito interessantes, que respaldam o relato bíblico. Existiam cinco cidades na parte leste do Mar Morto. Quando as escavamos, encontramos grande quantidade de cinzas. Em alguns lugares havia uma camada de um metro de cinzas. Não há outra maneira de explicar tamanha destruição e tanta cinza em um só local, a não ser pelo trágico relato de Gênesis.
“Anos antes, em 1924, o famoso arqueólogo William F. Albright, juntamente com M. Kyle, já haviam feito investigações profundas na região do Mar Morto, concluindo que seria ali a localização das duas cidades destruídas por Deus. Só que na época lhes faltavam equipamentos sofisticados dos quais dispomos hoje. Em 1960, Ralph Barney explorou o fundo do Mar Morto com um sonar e encontrou várias árvores a certa profundidade. Isso demonstra que a água do Mar Morto submergiu uma vasta área fértil. Mas ele não encontrou vestígios de civilização ali. Se aquele era o vale que encantou o sobrinho de Abraão, onde estariam as cidades? No lado oeste do Mar Morto há restos de uma cidade que chama bastante a atenção. Esse sítio arqueológico foi batizado com o nome árabe de Bab eh dra. A cidade que ali existiu data de mais ou menos 2200 a.C., e ali também há grande quantidade de cinzas.
“Em outras palavras, Bab eh dra foi destruída pelo fogo. Nem seu cemitério escapou das chamas, pois parte das tumbas também contêm vestígios de fogo. Mas o que causou esse grande incêndio? É importante frisar que não há na região presença de atividades vulcânicas. Além disso, quando os exércitos inimigos destruíam as cidades com fogo, geralmente poupavam seus cemitérios. Logo, há uma razoável possibilidade de que essa região contenha de fato os restos do que um dia foi uma região visitada pelo juízo de Deus.”
“De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades em redor se entregaram à imoralidade e a relações sexuais antinaturais. Estando sob o castigo do fogo eterno, elas servem de exemplo.” Judas 7