Ciência e religião na visão de Futuyma

O jornal Estadão publicou em 2008 uma entrevista com o biólogo norte-americano Douglas Futuyma, que foi presidente da Sociedade Americana para o Estudo da Evolução e editor da revista científica especializada Evolution. Ele é autor, entre outros livros, de Science on Trial: The Case for Evolution (Ciência em Julgamento: O Caso em Favor da Evolução), sobre o embate entre o ensino da evolução e do criacionismo, e de Biologia Evolutiva, uma das principais obras usadas no ensino da evolução nos cursos universitários brasileiros de Biologia. Naquele ano, Futuyma esteve no Brasil para uma série de três palestras da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A seguir, alguns trechos da entrevista com meus comentários entre colchetes:

Como está a teoria da evolução hoje, 150 anos depois de sua formulação inicial?

Mais forte que nunca. … [No] tempo de Darwin … não sabíamos sobre DNA, sobre genes, não sabíamos como as características passavam dos pais para filhos. Agora, usamos DNA para entender melhor a evolução, e a evolução para entender melhor o funcionamento dos genes. Outro exemplo: Darwin sugeriu, em 1866, que humanos e chimpanzés vinham de um ancestral comum e agora sabemos, graças ao DNA, que ele estava certo, porque o DNA humano e dos chimpanzés coincide em mais de 90%.

[Com todo respeito a Futuyma, a quem considero um cientista bem mais equilibrado que o estridente Richard Dawkins, por exemplo, essa história dos 90% de semelhança genética entre humanos e chimpanzés é bastante controversa. O que ocorreu foi que a equipe de pesquisadores, dirigida por Morris Goodman, da Faculdade de Medicina da Wayne State University, comparou 97 genes de seres humanos, chimpanzés, gorilas, orangotangos e camundongos. Os pesquisadores concluíram que os genes de chimpanzés e bonobos (gênero Pan) têm mais em comum com os genes humanos do que com os de quaisquer outros primatas. Dificilmente esses dados seriam suficientes para sustentar uma conclusão tão radical. Os pesquisadores compararam apenas 97 genes, porém o genoma humano (que foi mapeado em sua totalidade de uma maneira muito “geral”) tem pelo menos 30 mil genes – portanto eles compararam apenas 0,03 por cento do total! Além disso, os genomas dos primatas não foram nem sequer mapeados de maneira aproximada. Assim, qualquer tentativa de comparar o DNA total atualmente é apenas uma hipótese. Como, de fato, os chimpanzés são mais semelhantes aos seres humanos do que outros macacos ou símios, por que isso não se refletiria em alguns de seus genes? Não é surpresa que a anatomia parecida refletisse genes parecidos, porém isso nada tem a ver com a origem das semelhanças, seja no nível anatômico, seja no nível genético. A questão da ancestralidade comum versus projeto comum não se decide pelo grau de semelhança. O problema é que, embora equivocado, o número de 90% chama a atenção. O público em geral é levado a interpretar as reportagens como tendo dito que os chimpanzés são “90% humanos”. Aqui é bom lembrar o que disse o professor evolucionista Steven Jones: ele afirmou que as bananas compartilham 50 por cento de seus genes com os seres humanos, mas que isso não torna as bananas 50 por cento humanas! E sobre a tal ancestralidade comum entre humanos e macacos, é bom lembra, também, que a tal “árvore da evolução humana” vive sendo revisada e “ancestral” comum nunca foi encontrado.]

Críticos da evolução costumam dizer que a teoria é um raciocínio circular, já que afirma “a sobrevivência dos mais aptos”, mas o único jeito de saber quem é mais apto é esperando para ver quem sobrevive…

Não se trata de um argumento forte. Os críticos dizem que só dá para saber quem é o mais apto depois que ele sobrevive. Mas sabemos que é possível um tipo de indivíduo ser mais abundante na espécie, mesmo se não for o mais apto. Esse é um processo puramente aleatório, de variação dos genótipos (seqüências de DNA) dentro das populações. É um processo chamado deriva genética. E não é um processo de seleção natural. Se você olhar para duas populações que começaram do mesmo jeito, uma delas poderá acabar diferente, por puro acaso, como num lance de dados. Isso elimina o argumento de que se trata de um raciocínio circular. Além disso, é possível prever qual organismo se sairá melhor num determinado ambiente. Em praticamente toda edição da revista Evolution há um exemplo do tipo, onde pegamos uma característica de um organismo, prevemos como ela pode ajudar a sobrevivência em um determinado ambiente, e depois vemos que esse é exatamente o caso. Não é preciso ser um gênio para entender que se há dois tipos de bactéria, e um deles é capaz de digerir uma substância e outro, não, se você colocá-los num ambiente com esse produto, um vai ganhar e o outro vai perder. Isso é evolução por seleção natural, e podemos prever seu resultado.

[Aqui está um clássico exemplo da frase que diz: “Darwin acertou no varejo e errou no atacado.” Os criacionistas (pelo menos os bem informados) não dizem que Darwin errou de todo. A idéia da seleção natural explica bem a existência e prevalência de certos seres vivos em detrimento de outros, mas não explica a origem desses seres. O que se condena são as extrapolações hipotéticas feitas com base nesses dados, como a da ancestralidade comum de todos os seres vivos.]

Também há quem diga que não é possível testar a evolução, para saber se ela está certa ou errada.

Isso também é falso. Vamos pegar a questão da evolução no esquema mais amplo, que é a proposição de que todos os organismos evoluíram, por descendência com modificações, de um ancestral comum. Eu e as árvores lá fora, e as bactérias em meu aparelho digestivo, todos viemos de uma única forma de vida ancestral que deu origem a toda a variedade atual. Isso ocorreu ao longo do tempo, a um ritmo determinado, é claro. Não dá para tirar um mamífero de uma bactéria de uma hora para a outra, deve haver passos intermediários. Então, entendemos que as formas de vida mais recentes não podem ter ocorrido muito cedo na história da evolução. Portanto, se você conseguisse encontrar fósseis de mamíferos, indisputáveis, de 400 milhões de anos, isso causaria muita dor e sofrimento, porque os biólogos diriam “não pode ser”. Então, essa é uma observação possível, um teste, que forçaria a uma revisão completa da teoria da evolução.

[Tudo bem que ainda não foi encontrado um fóssil de mamífero em extratos geológicos nos alegados 400 milhões de anos. Mas, como o próprio Futuyma admite: “Não dá para tirar um mamífero de uma bactéria de uma hora para a outra, deve haver passos intermediários.” O que dizer, então, da “explosão cambriana”? Um trilobita, por exemplo, era quase tão complexo quanto um mamífero. Pelo menos em nível bioquímico, era. Ele era pluricelular (e suas células possuíam toda complexidade para funcionar como as células atuais), se reproduzia sexualmente (com toda complexidade envolvida nessa forma de reprodução) e tinha até olhos de calcita. O problema (para o modelo evolucionista defendido por Futuyma, é que não existem “passos interemediários” de trilobitas no Pré-cambriano…]

O debate entre evolução e criacionismo, se evolução deve ser ensinada nas escolas, se o criacionismo deveria ser ensinado por professores de ciências, causa muita polarização, muita polêmica, desencadeia discussões apaixonadas. A evolução parece ser o único tema, no currículo de ciências, a provocar reações tão extremas. Por quê?

É precisamente porque as pessoas resistem muito à idéia de que surgimos por meio de um processo puramente material, a partir de outras formas de vida. É uma idéia que preocupa. É vista como uma ameaça à dignidade humana, talvez. E também uma ameaça às crenças religiosas, porque as crenças religiosas dizem que os seres humanos são muito especiais, foram deliberadamente criados por um Criador bondoso que se importa com elas. Enquanto que a explicação científica para a origem dos seres humanos entra em conflito com esse ponto de vista. Creio que é por isso que a evolução causa uma reação tão emocional.

[Aqui, o biólogo cai no lugar comum de polarizar a questão como sendo ciência versus religião, ignorando o fato de que muitos cientistas que se pautam pelo método científico discordam das premissas básicas extrapolativas do darwinismo. Mas Futuyma está certo quando afirma que a visão darwinista rebaixa o ser humano. Na verdade, como disse alguém, essa visão humaniza os macacos e “macaquiza” o ser humano.]

Mas essa ameaça é real? O sentimento humano de ser protegido por um Criador onipotente está mesmo sob ameaça da teoria da evolução, ou se trata de um mal-entendido?

Creio que é possível aceitar a evolução totalmente e, ao mesmo tempo, preservar crenças religiosas e teológicas. E digo isso porque há milhões de pessoas que fazem isso. Incluindo inúmeros cientistas, que aceitam a religião, têm sentimentos religiosos, e aceitam as evidências a favor da evolução, incluindo a evolução da espécie humana. Um de meus melhores alunos de doutorado, que hoje é um biólogo evolucionista muito produtivo, é católico devoto e praticante. O papa anterior (João Paulo II) escreveu um documento dizendo que a evidência a favor da evolução é tão forte que a teoria deveria ser aceita como mais que pura especulação. No entanto, o papa disse que isso não significa que existe uma explicação biológica para a parte mais íntima do ser humano, a alma. Ele reserva uma parte para a religião. Creio que muitos líderes religiosos, e muita gente religiosa, não têm problema nenhum com a evolução. A Igreja Católica tem aceito a evolução há muito tempo. No entanto, é claro que isso significa que há certas afirmações específicas na Bíblia que não são literalmente compatíveis com a evolução. Mas também não são compatíveis com física, geologia, ou astronomia, ou nenhuma das outras ciências. Se você acredita que o mundo foi criado em seis dias, ou se acredita que o mundo foi criado há 100.000 anos, isso não é aceitável para astrônomos, geólogos ou físicos. Você tem de estar preparado para reinterpretar os textos religiosos, o que é exatamente o que os teólogos fazem. Bons teólogos não acreditam que tudo que aparece escrito nas versões em inglês, em português ou espanhol da Bíblia é para ser tomado exatamente como verdade literal.

[O papa João Paulo II estava duplamente errado: o ser humano não possui alma; ele é uma alma (nephesh = ser vivente), segundo a descrição bíblica da criação, em Gênesis. Essa idéia dualista (corpo/alma) é de origem pagã e foi adotada pelo catolicismo há muito tempo. E o papa estava errado também em tentar conciliar a Bíblia com o darwinismo. Isso é impossível para aqueles que aceitam o princípio protestante do Sola Scriptura. (Clique aqui e saiba por quê.) Curiosamente, as ciências que foram “infectadas” pela visão evolucionistas acabam entrando em atrito com as Escrituras, como é o caso da Geologia e sua “geocronologia padrão”. Por outro lado, diversos fatos corroborados pela ciência experimental estão em perfeito acordo com a Bíblia. No fim de sua resposta, Futuyma revela sua visão teológica liberal, elogiando os teólogos que não aceitam as Escrituras como “verdade literal”. Reinterpretar ou relativizar a Bíblia quando diante de alguma teoria discrepante torna fácil acomodar a religião à ciência…]

Mas as religiões pararam de perseguir astrônomos há séculos, enquanto que professores de biologia ainda encontram problemas. A resistência às novas verdades científicas que vêm da biologia é maior por quê…?

É por causa do conteúdo emocional, eu acho. As pessoas não se preocupam muito se a física entra em conflito com a Bíblia, mas creio que, porque são humanas, elas se preocupam com a biologia. Mas eu gostaria de destacar que são apenas algumas lideranças religiosas, e algumas pessoas religiosas, que condenam a evolução. Nos países onde a maioria da população é católica, como Espanha, Portugal, ou na maior parte da América Latina, não há conflito. O conflito surge onde há versões fundamentalistas do cristianismo, que tomam a Bíblia literalmente.

[Ou seja, os que adotam a teologia liberal não vêem contradição entre o darwinismo e a Bíblia. O problema são os “fundamentalistas”…]

Futuyma prossegue: “[Q]uando se propõe que a ciência aceite explicações religiosas, aí você tem idéias que não podem ser testadas. Ao postular que algo foi causado por um ser sobrenatural, ninguém tem a menor idéia de como determinar se essa é uma explicação verdadeira ou falsa. E se você pode dizer que um ser sobrenatural é responsável por esse evento em particular, por exemplo, a origem dos seres humanos, então você pode dizer que ele é responsável por tudo, pelo terremoto que aconteceu na China. Gostaríamos de parar de tentar entender os terremotos, porque alguém disse que há uma causa sobrenatural? A ciência tem de se manter materialista em suas explicações, o que não significa que a visão de mundo do cientista tenha de ser materialista. O materialismo não cabe quando o assunto é amor, ou ética, mas quando tentamos entender o mundo natural, é essencial.”

[O biólogo acerta quando diz que a ciência tem que ser materialista, enquanto metodologia, mas isso não significa que o cientista tenha que adotar uma filosofia materialista que nega tudo que esteja fora do escopo e da mensuração científica. Mas ele também “embola” tudo quando fala do terremoto na China. Aqui nota-se como faz falta uma correta compreensão da teologia bíblica…]

Se o Brasil vier a viver uma radicalização como a que existe nos EUA em torno do ensino da evolução e do criacionismo, qual seria seu conselho aos cientistas e professores brasileiros?

Meu conselho seria que os cientistas venham a público, que tentem educar a população sobre essas questões. Eles têm de tentar explicar a diferença entre uma abordagem científica e uma abordagem não científica. Eles têm de tentar explicar às pessoas que dependemos da ciência para avanços tecnológicos com muitos resultados práticos. … É preciso que todos os cientistas tentem explicar às pessoas qual é a natureza da ciência, e manter a ciência separada da religião. Não para fazer pouco caso da religião. As pessoas têm sua liberdade de crença religiosa, mas precisam entender que isso tem de ficar do lado de fora da aula de ciências. Assim como a ciência deve ficar fora dos ensinamentos das igrejas sobre moralidade. Creio, ainda, que os cientistas devem fazer todo o esforço para contestar as alegações feitas por criacionistas. Então, se houver algum criacionista, algum defensor do design inteligente (movimento que propõe que a vida é complexa demais para ter surgido por meios estritamente naturais), alguma figura religiosa que vá à televisão para fazer alegações falsas sobre a evolução, então os cientistas devem procurar o canal de TV, a revista, ou o veículo que for, e dizer, não, isso é errado, não é o que entendemos do ponto de vista científico, e aqui está o que é correto, e eis o porquê.

[Futuyma não precisa se preocupar com isso. Como escreveu G. K. Chesterton, há cem anos, em seu livro Ortodoxia, “não será necessário que ninguém lute contra a censura da imprensa. Nós temos a censura pela imprensa”. Como? Apenas um exemplo: o articulista Marcelo Leite, da Folha de S. Paulo, disse certa vez que eles simplesmente não dão espaço aos criacionistas. Futuyma se preocupa com possíveis alegações falsas de criacionistas na mídia, mas o que dizer das muitas alegações falsas sobre o criacionismo que já foram publicadas por aí? Não se preocupe, Futuyma, a maré midiática não está a favor dos “fundamentalistas”.]

E o biólogo conclui: “Minha mensagem para os cientistas, então, seria: reconheçam a humanidade das pessoas. Tentem mostrar a elas que é possível conciliar o ponto de vista científico com o religioso, em vez de criar uma dualidade. Mas é claro que muitos religiosos, principalmente evangélicos fundamentalistas, insistem nessa dualidade. Insistem que é preciso escolher.”

[Isaac Newton era “fundamentalista” (até cria nas profecias de Daniel e Apocalipse, veja só!) e, juntamente com outros “fundamentalistas” como Galileu e Copérnico, nos legou o método científico. Eles, assim como os criacionistas bem informados de hoje, não propõem o dualismo ciência/religião ou que tenhamos que escolher entre uma ou outra. Propõem, sim, uma correta interpretação dos dados científicos e uma correta interpretação das Escrituras. Esse esforço trará a devida compatibilização de ambas as áreas, afinal, foi Deus quem as estabeleceu.]

[Deixo um último desfio para o Futuyma e os leitores darwinistas deste blog: O que as evidências contrárias à teoria da evolução significam num contexto de justificação teórica? Que tal abordá-las se atendo somente ao atual status epistêmico da teoria da evolução?]

Leia também: “Futuyma se esqueceu da teoria da evolução no contexto de justificação teórica”

Além do laboratório: ciência e misticismo

Em sua obra polêmica O Fim da Ciência, o jornalista científico John Horgan entrevista dezenas de cientistas e pensadores, em busca de respostas para uma série de perguntas sobre o futuro da ciência. Mas, no fundo, o que Horgan procura é o Absoluto (confessa mesmo ter passado, ainda nos tempos de estudos literários, por uma “experiência mística”).

Pode parecer estranho Horgan procurar na ciência o que deveria buscar na teologia. Mas ele não é o único pesquisador que tem buscado o transcendente. O físico Marcelo Byrro Ribeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, arrisca um palpite para o porquê desse interesse. Ele acredita que as leis da ciência [humana] são limitadas e incapazes de explicar de maneira completa a constituição e o surgimento do Universo. Elas se sustentam porque explicam melhor um conjunto de fenômenos, e não como evidências absolutas. Nesse sentido, acredita o físico, a ciência presta um desserviço a si própria quando afirma possuir a resposta para tudo.

De fato, a despeito do enorme avanço da ciência e da tecnologia, quando o assunto são as questões fundamentais como a origem da vida e do Universo, grandes e persistentes interrogações se sobrepõem às tentativas de explicação.

A ORIGEM DA VIDA: ENIGMA PERSISTENTE

Depois de quase um século e meio, os defensores da teoria da evolução biológica continuam se debatendo com problemas gigantescos. Tanto que o prêmio Nobel Francis Crick, depois de identificar a molécula de DNA, chegou a uma espantosa conclusão: “Parece ter sido quase um milagre, tantas são as condições necessárias para que a vida viesse a ocorrer.” Vinda de um agnóstico com tamanho conhecimento da biologia, essa declaração dá uma boa medida da dificuldade que a ciência ainda enfrenta para explicar essa origem.

Para o ex-ministro da Educação José Goldemberg (O Estado de S. Paulo, 19/10/99), os cientistas “estão encontrando problemas tais em entender o Universo e sua origem que alguns julgam que há lugar para um Deus em seus estudos”.

E talvez pelo fato de a ciência não ter todas as respostas é que, séculos depois de Galileu e outros terem desafiado os dogmas da Igreja Católica e o astrônomo francês Pierre Laplace ter descartado Deus como hipótese necessária para explicar o Universo, cientistas como o físico americano Charles Townes (premiado com um Nobel em 1964 pela invenção do laser) estão aceitando a crença cristã da criação do mundo. “É como se as descobertas mais recentes aumentassem a percepção de que o Universo e a vida constituem algo especial”, diz o físico.

Essas muitas perguntas sem resposta no mundo da ciência geram dois tipos de problema. De um lado, aparecem as evidências fraudulentas, como que indicando uma vontade imensa de confirmar teorias. De outro, abre espaço para os místicos introduzirem suas ideias, na tentativa de explicar o que ainda não se pode provar.

DOS LABORATÓRIOS AO MISTICISMO

Para muitos cientistas, seria necessário fazer valer a paráfrase: “Dê a Deus o que é de Deus e aos laboratórios o que é dos cientistas.” Mas nem sempre é assim. Cada vez mais as limitações da ciência abrem espaço para a ala que aceita o transcendente. É bem verdade que muitos pesquisadores, quando usam o nome de Deus, estão muito mais se valendo de uma metáfora de entendimento imediato do que reverenciando uma figura religiosa. Mesmo os que aceitam Deus, o veem como um conceito abstrato ou uma forma de energia impessoal, semelhante ao que defendem os adeptos da Nova Era.

Entre eles, estão campeões de publicidade como o físico Fritjof Capra, autor do best-seller mundial intitulado O Tao da Física. Capra nasceu em Viena, em 1939. Lá, formou-se em Física Teórica. Como cientista vem tentando estabelecer paralelos entre a física e o misticismo. Em seu livro mais famoso (O Tao da Física), Capra tenta construir uma ponte entre as percepções da mecânica quântica e as das filosofias orientais. Com o estudo do átomo e de suas estruturas, “a ciência ultrapassou os limites de nossa capacidade de percepção sensorial. A partir daí ela não pode mais confiar de forma absoluta na lógica e na razão”, escreveu Capra.

Esse posicionamento de Capra – com excesso de misticismo e contestação da racionalidade – não agrada nem um pouco aos cientistas mais “ortodoxos”, pois fere as bases da ciência experimental. Na opinião do cosmólogo Stephen Hawking, “cientistas de valor deixaram de pesquisar para tentar chegar à verdade pela meditação oriental. Não produziram mais nada. Esterilizaram-se completamente”.

“Você deve duvidar seriamente de qualquer cientista que tente convencê-lo, baseado em argumentos científicos, da futilidade de sua crença religiosa”, escreveu Marcelo Gleiser, em seu livro A Dança do Universo, página 348 (Companhia das Letras). Mas, pelo jeito como as coisas vão, devemos duvidar também dos cientistas que querem fazer a ponte entre ciência e misticismo.

ARMADILHA BEM BOLADA

Para o observador atento e conhecedor das Escrituras Sagradas, salta aos olhos o plano bem elaborado que se revela por trás da aproximação entre a ciência e o misticismo. Basta analisar as seguintes perguntas: De quem é o interesse de que as pessoas se afastem da verdadeira ciência e busquem o misticismo como resposta às suas dúvidas? Quem está interessado em que o ser humano creia que pode se autorredimir por meio da “evolução espiritual”, e que o pecado é uma ilusão judaico-cristã?

Satanás, o inimigo de Deus, desde o início do mundo vem contestando a forma como o Criador rege o Universo. Desde que perdeu sua posição de anjo mais exaltado no Céu, tenta envolver os seres humanos em sua rebelião, obscurecendo nas mentes a ideia da criação divina e da redenção em Cristo. A teoria da evolução biológica e o misticismo que tem por base a doutrina da reencarnação são suas armas mais eficazes. Com o evolucionismo vieram as dúvidas sobre a criação narrada em Gênesis e houve grande força para o argumento ateísta. E já que Deus “estava morto”, passou-se a ver a ciência humana como fonte de esperança. O plano estava correndo a contento.

Os anos passaram e, aos poucos, as pessoas perceberam que a ciência humana não era esse “deus” tão poderoso. Até mesmo o ateísmo, como instituição, ruiu. E quem poderia ocupar a brecha? A segunda arma satânica: o misticismo. Rendidos à evidência do sobrenatural, muitos cientistas passaram a aceitar e defender ideias que nada têm que ver com os domínios da ciência, e tampouco com o que ensina a Bíblia. A armadilha se fechou.

Por isso, o conselho do apóstolo Paulo ao jovem Timóteo ainda vale: “Guarda o depósito, evita o palavreado vão e ímpio, e as contradições de uma falsa ciência” (1 Timóteo 6:20, Bíblia de Jerusalém). “Falsa ciência” e “falsa religião” (misticismo), na verdade, só servem para afastar os seres humanos de Deus. Por outro lado, a verdadeira ciência e a religião bíblica devem apontar para o Criador pessoal. O único que pode trazer sentido à vida e fornecer aquelas respostas que satisfazem o coração.

EVIDÊNCIAS FRAUDULENTAS

Elo perdido – O Archaeraptor liaoningensis, fóssil considerado uma importante evidência da teoria de que os pássaros teriam se desenvolvido dos dinossauros, era, na verdade, uma mistura de fósseis de duas criaturas diferentes. A revista National Geographic chegou a colocar na capa de uma de suas edições a recriação artística do animal e deu-lhe crédito como o elo perdido entre répteis e aves.

Dinossauro de araque – Um esqueleto de dinossauro exposto havia 116 anos no Museu Nacional do País de Gales era falso. O esqueleto, que seria de um Ichthyosaurus foi montado com diversos tipos de ossos, gesso e tinta.

Múmia falsa – Uma múmia com vestes em estilo egípcio e repousando em caixão de madeira com escrita cuneiforme foi tida como uma princesa que viveu em 600 a.C. Exames revelaram que se tratava do corpo de uma mulher mumificada havia apenas dois anos, e já em estado de decomposição.

CIÊNCIA EXPERIMENTAL X MISTICISMO “CIENTÍFICO”

“Nem a Matemática nem a Ciência podem descobrir Deus pelo simples fato de que estas duas conquistas do intelecto humano agem no imanente e jamais poderiam chegar ao Transcendente”, disse o ex-presidente da Federação Mundial de Cientistas, Dr. Antônio Zichichi, em seu livro Por Que Acredito Naquele que Fez o Mundo, página 16 (Editora Objetiva). Para se fazer pesquisa científica, é preciso levar em conta os seguintes aspectos:

1. As evidências devem ser testadas em laboratório.
2. Os experimentos devem ser reproduzíveis.

A crença em Deus, o ateísmo ou as filosofias místicas, portanto, não pertencem aos domínios da pesquisa científica. Estão na área do transcendental e, assim, não podem ser provadas nem refutadas do ponto de vista científico.

(Michelson Borges é jornalista, mestre em Teologia e pós-graduado em Biologia Molecular)

Deus e as leis físicas

leis

A Bíblia ensina que Deus é o autor e mantenedor de tudo o que existe de fundamental, inclusive das leis físicas. Em Hebreus 1:2 e 11:3 (no original grego), Ele é retratado como Construtor do próprio tempo; o que exatamente isso significa está além da intuição humana e passa por assuntos como a dependência lógica que desempenha na eternidade o papel que a causalidade desempenha no tempo.

Trata-se de um assunto vasto, complexo, bastante longe do cotidiano humano e, portanto, na faixa de temas em que a “razão” humana e, por conseguinte a Filosofia, costumam falhar. Felizmente, porém, desde a descoberta da Ciência como metodologia matemática, as limitações da mente humana não são mais desculpas para a ignorância. Ao utilizarmos as ferramentas matemáticas da Ciência para entender tanto textos bíblicos quanto o mundo natural, todo um novo mundo descortina-se diante de nós e descobrimos que vários assuntos antes misteriosos tornam-se claros e acessíveis. Um desses assuntos é o da relação de Deus com Suas leis.

Questões importantes

Deus não pode ser limitado por leis físicas. Como criador e mantenedor, Ele não depende delas para existir. Diante dessas considerações, surgem algumas questões interessantes.

Será que Deus viola Suas leis físicas de vez em quando? Em que circunstâncias isso poderia ocorrer?

Os milagres mencionados na Bíblia seriam violações de leis físicas? Por exemplo, a ressurreição de Lázaro teria violado a segunda lei da Termodinâmica? A multiplicação de pães e peixes teria violado a lei da conservação de massa?

Precisamos conhecer todas as leis físicas para responder essas perguntas?

Até que ponto podemos usar conhecimentos de leis físicas para entender a ação de Deus no mundo natural?

Noções equivocadas sobre o que são leis físicas, como funcionam e como as descobrimos têm levado até mesmo pensadores famosos a conclusões incorretas sobre essas questões. Sabemos que essas conclusões são incorretas por gerarem consequências incompatíveis com fatos fundamentais conhecidos.

É importante entender que leis físicas não são acessórios opcionais do Universo, mas são as regras que definem a existência e o comportamento básico de tudo. Esse é um assunto muito mais profundo e com repercussões tremendas, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista teológico.

Entretanto, existem regularidades circunstanciais, muitas vezes também chamadas de leis, que mudam de acordo com as circunstâncias. Por outro lado, existem regras mais fundamentais que não mudam. São essas últimas que merecem nossa atenção especial.

Além disso, essas leis fundamentais não se prestam a ser completamente expressas em palavras, mas é possível expressá-las de maneira aproveitável em algumas linguagens formais (popularmente conhecidas como “linguagens matemáticas”). Raciocinar e obter conclusões com base em expressões verbais é um procedimento errado, pois induz uma série de erros.

Outro aspecto importante é o das maneiras que temos para descobrir leis físicas. Não se trata apenas de observar fenômenos, perceber regularidades e então imaginar generalizações (abordagem indutiva). Essa é a abordagem pré-científica. Desde o século 18, utilizamos uma abordagem dedutiva, isto é, partindo de um princípio geral mencionado na Bíblia, para obter as equações das leis físicas. Quem não conhece esses métodos da ciência tem uma ideia completamente falsa de como podemos conhecer e lidar com leis físicas, e tal desconhecimento aparece com frequência em argumentos que tocam no assunto do relacionamento de Deus com Suas leis, bem como supostas “escapadinhas” para violá-las de vez em quando.

Assim, antes de tentar responder diretamente às perguntas acima, é preciso lidar com outras mais básicas:

O que são leis físicas básicas?

Como podemos conhecer essas leis e com que grau de segurança?

Como podemos expressar essas leis de maneira aproveitável?

Como funcionam leis físicas e qual a principal diferença entre seu comportamento real e o imaginário popular?

Como umas poucas leis básicas podem gerar uma infinidade de comportamentos, incluindo leis dependentes de circunstâncias?

Qual o significado da violação de uma lei física básica?

A título de spoiler: não é possível um entendimento genuíno de leis físicas e seu funcionamento sem um domínio de equações diferenciais, mas é possível traduzir para uma linguagem qualitativa simples diversas informações sobre esse assunto.

A título de introdução a este tema, escrevemos um artigo avulso para livre distribuição com diversos esclarecimentos nessa área, o qual responde diretamente ou provê elementos para que o próprio leitor encontre respostas às questões que colocamos.

Clique aqui e leia o artigo.

(Eduardo Lütz é bacharel em Física e mestre em Astrofísica Nuclear pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Paradoxo ateístico

“Uma coisa é desejar ter a verdade do nosso lado, outra é desejar sinceramente estar do lado da verdade.” Richard Whately

O censo populacional do IBGE de 2007 mostrou um paradoxo brasileiro na época: ao mesmo tempo em que o número de evangélicos havia crescido, outro grupo apresentou percentuais elevados em relação a anos anteriores – o dos que se declaram sem religião. Mas o que chama mesmo a atenção é o surgimento de uma nova figura no panorama religioso do país: o ateu militante. À semelhança dos religiosos, eles organizam encontros, participam de grupos de discussão na Internet e até fundaram uma ONG, a Sociedade Terra Redonda. O objetivo não é outro senão conclamar as pessoas sem fé religiosa a assumir o próprio ateísmo.

De certa forma, é até compreensível esse empenho ateístico. Durante muitos séculos, descrer em Deus era algo visto com muito preconceito e até perseguição (os inquisidores medievais que o digam). E não custa nada lembrar que em algumas nações (e por parte de algumas pessoas) ainda persiste a intolerância religiosa. A resistência às religiões de cunho sentimentalista e fortemente baseadas em sinais miraculosos também pode ser um motivo para tantos estarem migrando para o extremo oposto.

O psicólogo norte-americano Michael Shermer, diretor da Sociedade dos Céticos e autor do livro Fronteiras da Ciência: Onde o que Faz e o que Não Faz Sentido Se Encontram, aponta ainda outro problema: o aumento do irracionalismo. Pesquisas mostram que cada vez mais se acredita em astrologia, experiências extra-sensoriais, bruxas, alienígenas e discos voadores. Para ele, “o irracionalismo tem aumentado principalmente por culpa da comunicação de massa e da Internet. As pessoas que vivem da exploração dessas crenças são hábeis na utilização desses recursos. As religiões tradicionais vêm perdendo muito espaço nos últimos anos, o que tem deixado um campo aberto para crenças alternativas como paranormalidade e cultos da Nova Era”. O problema é que os ditos céticos acabam colocando no mesmo saco todo tipo de crença, como fez exatamente o engenheiro Daniel Sottomaior, em resposta ao meu artigo “Cristo ainda é manchete”, publicado no Observatório da Imprensa.

A julgar pelos mais de 800 colaboradores cadastrados na Sociedade Terra Redonda na época (da qual Sottomaior é membro), a maioria dos ateus brasileiros é jovem e vem da área de Ciências Exatas. “Somos racionalistas, e uma de nossas funções é denunciar falsos milagres”, disse o programador de computadores Leo Vines, de 24 anos na época. Vines, que era o presidente da Sociedade, afirmou ainda que “quem examina a questão da existência de Deus à luz de um método científico chega inevitavelmente à conclusão de que Ele não existe, já que não há nenhuma evidência concreta disso”. Mas será essa uma conclusão correta?

CIENTISTAS QUE CREEM

Em 1916, cientistas americanos participaram de uma pesquisa sobre suas crenças religiosas. A mesma pesquisa foi repetida em 1996. Surpreendentemente houve pouca mudança nesses 80 anos. Em ambos os casos, cerca de 40% dos cientistas disseram acreditar em um Deus pessoal, 45% disseram não acreditar e 15% não responderam. Se o método científico apontado por Vines, pelo qual se orientam os cientistas, demonstrasse realmente a inexistência de Deus, não haveria sequer um cientista crédulo.

O escritor italiano Umberto Eco, reconhecidamente agnóstico, escreve no livro Em que Crêem os que Não Crêem? (Editora Record) que, se a vida de Jesus Cristo for apenas um conto imaginado pela humanidade, o simples fato de o homem ter criado toda uma ideologia sobre o amor baseada numa figura fictícia já seria um mistério insondável. Admissão sincera, que deveria ser levada em conta pelos que se negam a ver a lógica, a coerência e a beleza da religião bíblica.

RELIGIÃO RACIONAL

“Se você abandona a capacidade crítica de pensar cientificamente, pode acreditar em absolutamente tudo”, diz o psicólogo Michael Shermer. De fato, existe esse perigo, como também há o perigo de descrer de tudo. Talvez por isso o apóstolo Paulo, em Romanos 12:1, classifique o verdadeiro culto como “racional”, nada tendo a ver com a emotividade vazia de muitos cultos sensacionalistas modernos. O Criador é o Deus que convida: “Venham cá, vamos discutir este assunto” (Isaías 1:18, BLH). Deus não é irrazoável. Embora nossa aceitação de Sua existência e das verdades reveladas por Ele se baseiem na fé, há evidências suficientes para o observador atento e livre de preconceitos. Afinal, mesmo quando utilizamos a “capacidade crítica de pensar cientificamente”, chegamos à conclusão de que o Universo é obra de um Planejador inteligente, pois o efeito pressupõe uma causa. O acaso e a não intencionalidade jamais responderam à pergunta fundamental “de onde viemos?”.

Sottomaior afirma que “a religião é intrinsecamente oposta à contestação”. Mas o apóstolo Paulo dá a entender que não há nada de errado com o emprego da razão na busca de respostas, quando diz que se deve examinar tudo e reter o que é bom (1 Tessalonicenses 5:21). O problema consiste em querer utilizar a razão humana para mensurar o que está além dela (neste caso, métodos matemáticos teriam muito mais sucesso). Aliás, diga-se de passagem, a própria razão está além da razão. E julgar a razão pela própria razão é como definir uma palavra usando a própria palavra como sua definição, assim como na tautologia “a casa é vermelha porque é vermelha”. Como se sabe, tautologias nada provam.

Utilizar a razão humana para determinar a existência ou não de Deus é como tentar medir as distâncias cósmicas com uma fita métrica. Ou, para usar um exemplo mais conhecido, é tentar colocar o oceano em um buraquinho na areia. Eis aqui o paradoxo ateísta.

CIÊNCIA E RELIGIÃO

No livro Por Que Creio Naquele que Fez o Mundo (Editora Objetiva), o ex-presidente da Federação Mundial de Cientistas, o católico Antonino Zichichi, faz afirmações bastante corajosas e pouco convencionais no mundo científico. Segundo ele, há flagrantes mistificações no edifício cultural moderno e que passam, muitas vezes, despercebidas do público em geral. Eis alguns exemplos: Faz-se com que todos creiam que ciência e fé são inimigas. Que ciência e técnica são a mesma coisa. Que o cientificismo nasceu no coração da ciência. Que a lógica matemática descobriu tudo e que, se a matemática não descobre o “Teorema de Deus”, é porque Deus não existe. Que a ciência descobriu tudo e que, se não descobre Deus, é porque Deus não existe. Que não existem problemas de nenhum tipo na evolução biológica, mas certezas científicas. Que somos filhos do caos, sendo ele a última fronteira da ciência.

Para Zichichi, a verdade é bem diferente. E a maneira de se provar a incoerência das mistificações acima consiste em compreender exatamente o que é ciência.

Foi Galileu Galilei quem lançou as bases da ciência experimental. A grandeza desse físico e astrônomo italiano, para quem “o Universo é um texto escrito em caracteres matemáticos”, não reside tanto em suas extraordinárias descobertas astronômicas, mas na busca de verificar se o resultado de experiências era ou não contrário à validade de determinadas leis. Para Galileu, as hipóteses deveriam ser testadas e repetidas a fim de serem consideradas verdadeiras. Graças a ele, pôde-se fazer separação entre o imanente e o transcendente. Como dizia um dos pais da física moderna, Niels Bohr, resumindo o pensamento galileano, não existem teorias bonitas e teorias feias. Existem apenas teorias verdadeiras e teorias falsas.

Por isso, Zichichi afirma: “Nem a matemática nem a ciência podem descobrir Deus pelo simples fato de que estas duas conquistas do intelecto humano agem no imanente e jamais poderiam chegar ao Transcendente” (p. 16).

Uma teoria como a da evolução das espécies, com tantos “elos perdidos”, desenvolvimentos milagrosos (olho, cérebro, DNA, etc.), extinções inexplicáveis e fenômenos irreprodutíveis não é ciência galileana. “Eis porque”, diz Zichichi, “a teoria que deseja colocar o homem na mesma árvore genealógica dos símios está abaixo do nível mais baixo de credibilidade científica. … Se o homem do nosso tempo tivesse uma cultura verdadeiramente moderna, deveria saber que a teoria evolucionista não faz parte da ciência galileana. Faltam-lhe os dois pilares que permitiriam a grande virada de 1600: a reprodução e o rigor. Em suma, discutir a existência de Deus, com base no que os evolucionistas descobriram até hoje, não tem nada a ver com a ciência. Com o obscurantismo moderno, sim” (p. 81, 82).

PESQUISAS E PREMISSAS

Por mais que alguns queiram ignorar a realidade, especialmente no que diz respeito ao modelo da evolução, posto que não é fato científico confirmado (embora possua aspectos periféricos com os quais os criacionistas concordam), as premissas e a filosofia de vida dos pesquisadores influem diretamente em suas pesquisas. Bom exemplo é o do geólogo e pensador evolucionista da Universidade de Harvard, Stephen Jay Gould (falecido em 2002). Ele era marxista e é o autor da teoria do equilíbrio pontuado (saltacionismo), que é quase uma transposição literal da ideia da revolução para o mundo natural. Por isso mesmo, embora Gould fizesse bastante sucesso como escritor, grande parte da comunidade científica rejeita suas idéias “evolucionistas marxistas”.

E a conclusão de José Luiz Goldfarb, presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência, é a de que “nenhum cientista entra no laboratório sem uma visão de mundo mais complexa. O fato de a ciência funcionar em bases experimentais não significa que o cientista não tenha crenças ou pressupostos sobre a realidade” (Época, 27/12/99).

Michael Behe, autor do controvertido A Caixa Preta de Darwin (Mackenzie), vai na mesma direção, e diz que, “apesar da imagem popular, os cientistas são pessoas normais, com seus próprios preconceitos. Se alguém pretende desafiar uma crença profundamente defendida, pode esperar resistência”.

Em Grandes Debates da Ciência (Editora Unesp), Hal Hellman afirma que, “ao contrário dos erros tecnológicos, erros em ciência raramente são notícia. Em consequência, o público poucas vezes toma conhecimento dos caminhos equivocados pelos quais os cientistas muitas vezes enveredam. Mesmo no caso em que se divulga uma idéia científica incorreta, ninguém sabe que ela é incorreta; e quando se chega à idéia correta, ela é apresentada como uma nova descoberta, e a velha ideia é simplesmente esquecida. Mesmo em revistas científicas, relatos de resultados negativos raramente chegam a ser impressos, a despeito do fato de que possam ser muito úteis para os que trabalham na área” (p. 14).

Hellman lembra ainda que “frequentemente […] o processo de descoberta científica está carregado de emoção. Quando apresenta uma nova ideia, é provável que um cientista esteja pisando nas teorias de outros. Os que sustentam uma ideia mais antiga podem não a abandonar de bom grado. […] É comum que alguma questão sutil, ou não tão sutil, ligada a crenças e valores, esteja subjacente ao debate. […] Os cientistas são suscetíveis de emoções humanas, […] são influenciados pelo orgulho, cobiça, beligerância, ciúme e ambição, assim como por sentimentos religiosos e nacionais; […] eles estão sujeitos às mesmas frustrações, cegueiras e emoções triviais que o resto de nós; […] eles são, na verdade, completamente humanos” (p. 14, 16, 18). Ateus ou não; cientistas ou não; todos agem e tiram conclusões não apenas com base na objetividade racional.

O professor Del Ratzsch, especializado em filosofia da ciência, em seu livro The Battle of Beginnings (sem tradução para o português), também faz algumas reflexões sobre o assunto. Às páginas 122 e 123, ele afirma que “as teorias – principalmente teorias explanatórias – não podem ser geradas por meios puramente lógicos ou puramente mecânicos a partir de dados empíricos. Elas são resultado de criatividade e invenção. […] As teorias não podem ser provadas de maneira conclusiva nem deixar de ser comprovadas exclusivamente com base em dados empíricos. Na verdade, os cientistas frequentemente continuam a defender firmemente certas teorias mesmo diante de clara evidência contrária. […] A estrutura e natureza de teorias específicas, os conceitos que elas empregam, sua avaliação e o critério que determina sua aceitabilidade ou inaceitabilidade e sua aceitação ou rejeição estão todos ligados não só aos dados mas também aos princípios modeladores que alguém aceita. E esses princípios modeladores também não surgem só de dados empíricos”.

Não é difícil perceber que pesquisa científica, como em qualquer outra área do saber, há mais do observador envolvido nos estudos do que simplesmente faculdades sensoriais funcionando mecanicamente. Em muitos casos de percepção, o pesquisador inconscientemente “preenche” vários aspectos da própria experiência, geralmente sem perceber, e o formato que esse preenchimento assume é moldado em parte por suas expectativas, seu compromisso intelectual, sua predisposição teórica e até mesmo suas crenças (ou a falta delas).

Uma vez que as teorias são inevitavelmente indeterminadas por dados empíricos, se formos selecionar algumas teorias propostas e reivindicar que elas sejam verdadeiras, então a seleção não pode ser feita com base puramente empírica. Pelo menos algumas considerações não empíricas deverão desempenhar certo papel nessa seleção.

Na verdade, o que se nota é um exagero na objetividade e infalibilidade dos cientistas. Por mais importante que eles sejam, não estão imunes à subjetividade.

Um bom exemplo é dado por Thomas Kuhn, em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas. Ele pergunta, à página 76: Um átomo de hélio é ou não uma molécula? Para o químico, é uma molécula porque se comporta como tal do ponto de vista da teoria cinética dos gases. Para o físico, o hélio não é uma molécula porque não apresenta espectro molecular. Portanto, os paradigmas e a formação das pessoas interferem, sim, em seus julgamentos sobre a realidade. E o que ocorre no campo religioso por certo também acontece no que diz respeito ao campo da pesquisa científica e à chamada racionalidade.

Isso explica por que, entre os cientistas, há crentes e ateus (como entre a população em geral). Se a existência de Deus (ou Sua inexistência) fosse algo demonstrável nos domínios da ciência experimental, só haveria um grupo de cientistas: crédulos (ou incrédulos).

Para Zichichi, Deus transcende a lógica matemática e a ciência humana. Por isso, “é inconcebível que possa ser descoberto pela lógica matemática ou pela ciência [humana]. A lógica matemática pode descobrir tudo aquilo que faz parte da matemática. E a ciência [pesquisa], tudo que faz parte da ciência. […] O ateu, na verdade, diz: ‘Por amor à lógica, não posso aceitar a existência de Deus.’ Mas o rigor lógico não consegue demonstrar que Deus não existe” (p. 159, 162). Quando a “ciência” opta por excluir o conceito de um Criador, deixa claro, com isso, que não é uma busca aberta da verdade, como tantas vezes quer parecer ser.

Na verdade, tudo ficaria mais claro (e lógico) se as pessoas admitissem, como fez Galileu, que tanto a natureza quanto as Escrituras Sagradas são obra do mesmo Autor e, embora utilizem linguagem diferente, não estão em contradição para o observador atento. As “contradições” bíblicas apontadas por Sottomaior em seu artigo são apenas aparentes, para o pesquisador isento. Comparando texto com texto, dentro de seus respectivos contextos, pode-se perceber a harmonia do cânon bíblico, a que me referi no artigo “Cristo ainda é manchete”.

“Não sabemos o que e quanto desconhecemos”, escreveu o zoólogo Dr. Ariel Roth, no livro Origens (Casa Publicadora Brasileira). “A verdade precisa ser buscada, e devia fazer sentido em todos os campos. Devido a ser tão ampla, a verdade abrange toda a realidade; e nossos esforços para encontrá-la deveriam também ser amplos” (p. 51).

Michelson Borges