Neste dia, há 170 anos, morria Carl Friedrich Gauss (1777-1855)

Quando criança, resolveu em minutos a tarefa de calcular a soma de todos os números inteiros de 1 a 100, usando raciocínio matemático, surpreendendo seu professor. Acho que você já deve ter escutado essa história. Ao longo da vida, alcançou grandes feitos: descobriu o método dos mínimos quadrados e o aplicou para calcular com precisão a órbita de corpos celestes, realizou estudos sobre o campo magnético da Terra, geometria não euclidiana, física teórica, álgebra e estatística (a curva de distribuição normal recebe o nome de “Gaussiana” em homenagem a ele). Mas e Deus? Como o “príncipe da Matemática” encarava o sobrenatural?

G. Dunnington, biógrafo de Gauss, escreve que “não é possível dizer com certeza quais eram as crenças de Gauss em relação à maior parte das doutrinas e questões confessionais. Oficialmente ele era um membro da Igreja de St. Albans (Luterana Evangélica) em Göttingen. Todos os batismos, funerais e casamentos de sua família ocorreram lá. Também não se sabe se ele frequentava a igreja regularmente ou se contribuía financeiramente. Um colega da universidade [de Göttingen] chamou Gauss de deísta, mas existem boas razões para crer que esse rótulo não se encaixa nele muito bem.”[1]

Muito comum entre intelectuais, cientistas e filósofos que buscavam conciliar crenças religiosas com os avanços da ciência e a visão racionalista do mundo nos períodos posteriores ao Iluminismo, o deísmo pode ser descrito como a crença em um Deus ou Criador que criou o Universo e suas leis naturais, mas que não intervém diretamente no mundo ou na vida das pessoas após a criação. De acordo com o biógrafo, o Deus de Gauss não era o “deus” dos deístas.

“O Deus de Gauss não era um fragmento frio e distante da Metafísica, nem uma caricatura distorcida de uma teologia amargurada. Ao homem não é concedida a plenitude do conhecimento que justificaria sua arrogância em acreditar que sua visão embaçada é a luz completa e que não pode haver outra luz que apresente a verdade como a sua. Para Gauss, não é aquele que balbucia sua crença, mas aquele que a vive, que é aceito. Ele acreditava que uma vida dignamente vivida aqui na Terra é a melhor, e única preparação para o Céu. Religião não é uma questão de literatura, mas de vida. A revelação de Deus é contínua, não limitada a tábuas de pedra ou pergaminhos sagrados. Um livro é inspirado quando ele inspira. A inabalável ideia de continuidade pessoal após a morte, a firme crença em um Regular Supremo das coisas, em um Deus eterno, justo, onisciente e onipotente, formou a base de sua vida religiosa, que se harmonizou completamente com sua pesquisa científica.”[2]

A presença de uma crença na “continuidade pessoal após a morte” é um atestado forte contra um possível deísmo de Gauss. Felizmente, um dos últimos episódios da vida do matemático lança luz sobre a compreensão dele sobre esse tópico. Dunnington registra uma série de visitas feitas a ele por Rudolf Wagner, um de seus amigos mais íntimos, durante seus últimos meses de vida.

“Quando Wagner foi embora, Gauss lhe deu o livro de Whewell para ler [William Whewell, Of the plurality of worlds, 1853]. Enquanto Wagner atravessava o pátio do observatório, notou na capa de papel branco do livro várias referências bíblicas, na caligrafia cuidadosa de Gauss. Ele percebeu imediatamente a que se referiam e decidiu perguntar a Gauss sobre elas na próxima vez. ‘Permita-me uma pergunta: na capa, você anotou várias trechos da Bíblia. Gostaria de saber de qual fonte vieram e com que propósito?’ Gauss respondeu: ‘Ah, você quer dizer estes?’ Ele apontou para eles. ‘São trechos que se referem à imortalidade. No momento, não consigo dizer de onde veio essa coleção de textos. Mas acho que esses trechos não são tão marcantes e coerentes. Em geral, caro colega, acredito que você acredita mais na Bíblia do que eu. Eu não acredito, e’, ele acrescentou, com expressão de grande emoção interior, ‘você é muito mais feliz do que eu. Devo dizer que, muitas vezes, em tempos passados, quando via pessoas das classes mais baixas, simples trabalhadores manuais que podiam acreditar tão verdadeiramente com seus corações, eu sempre os invejei, e agora’, ele continuou, com voz suave e aquele jeito ingênuo e infantil peculiar a ele, enquanto uma lágrima surgia em seu olho, ‘diga-me, como se começa isso?’

“Wagner foi tomado por uma grande emoção e sentiu-se um tanto constrangido quanto à forma de responder. Ele relata que percebeu toda a seriedade e grandeza do momento. A maneira como Gauss fez a pergunta o lembrou da antiga e frequentemente mencionada questão: ‘O que devo fazer para herdar a vida eterna?'”[3]

Dunnington registra as tais referências bíblicas nas notas de rodapé, oferecendo-nos um vislumbre do teor do possível estudo bíblico que Gauss tinha realizado sobre o assunto:

Daniel 12:1-3 – “Nesse tempo, Se levantará Miguel, o Grande Príncipe, o defensor dos filhos do povo de Deus, e haverá tempo de angústia, como nunca houve, desde que existem nações até aquele tempo. Mas, naquele tempo, o povo de Deus será salvo, todo aquele que for achado inscrito no livro. Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, outros para vergonha e horror eterno. Os que forem sábios resplandecerão como o fulgor do firmamento, e os que conduzirem muitos à justiça brilharão como as estrelas, sempre e eternamente.”

Jó 19:25 – “Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim Se levantará sobre a terra.”

Salmo 17:15 – “Eu, porém, na justiça contemplarei a Tua face; quando acordar, me satisfarei com a Tua semelhança.”

Salmo 49:15 – “Mas Deus remirá a minha alma do poder da morte, pois Ele me tomará para Si.”

Salmo 16:9-11: “Por isso o meu coração se alegra e o meu espírito exulta; até o meu corpo repousará seguro. Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção. Tu me farás ver os caminhos da vida; na Tua presença há plenitude de alegria, à Tua direita, há delícias perpetuamente.”

Eclesiastes 12:6, 7 – “Lembre-se do seu Criador, antes que se rompa o fio de prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro junto à fonte, e se desfaça a roda junto ao poço, e o pó volte à terra, de onde veio, e o espírito volte a Deus, que o deu.”

Isaías 26:19 – “Os teus mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão. Despertem e cantem de alegria, vocês que habitam no pó, porque o teu orvalho, ó Deus, será como o orvalho de vida, e a terra dará à luz os seus mortos.”

Todos os textos coincidem em tratar, de certa forma, da doutrina bíblica da ressurreição dos salvos, por ocasião da segunda vinda de Cristo. Será que, em seus últimos momentos de vida, Gauss foi tocado pelas palavras das Escrituras e confortado pela esperança do breve retorno de Jesus?

Numa carta a outro amigo, Gauss, aos 69 anos, declarou: “É o triste destino da velhice ver gradualmente se afastar de nós tanto do que nos era próximo e querido, e nos vermos cada vez mais isolados, e não há consolo nisso, exceto a perspectiva de uma ordem mundial superior que um dia equilibrará tudo.”[4]

O apóstolo Paulo expressou a mesma verdade quando disse, em sua primeira carta aos Coríntios: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos as pessoas mais infelizes deste mundo.”[5]

Paulo continua: “Nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados.”[6] Gosto de crer que Gauss compartilhava firmemente dessa esperança.

Carl Friedrich Gauss descansou há 170 anos, no dia 23 de fevereiro de 1855. Está sepultado em Göttingen, na Alemanha. É reconhecido como um dos maiores gênios da Humanidade, o “príncipe da Matemática”. Cerca de 20 anos depois, a Alemanha de Gauss receberia John N. Andrews e Jakob Erzberger, pregadores das três mensagens angélicas para o tempo do fim.

Estamos no fim desse tempo do fim. Logo veremos Cristo nas nuvens, trazendo consigo a consumação da promessa tão aguardada por milhares. Nesse dia, almejo estar, junto com Gauss, cantando a plenos pulmões: “Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a sua vitória? Onde está, ó morte, o seu aguilhão? Graças a Deus, que nos dá a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”.[7]

“A consciência religiosa de Gauss baseava-se em uma sede insaciável pela verdade.”[8] A Eternidade ao lado Daquele que declarou: “Se alguém tem sede, venha a Mim e beba” será um presente incalculável para ele…

(Thiago Somolinos Soldani é esposo da Rebeca, geólogo e adventista do sétimo dia)

Referências:

1. Dunnington, G. Waldo. 2004. “Carl Friedrich Gauss, titan of science”, The Mathematical Association of America, p. 300. Acesso via: https://archive.org/details/carlfriedrichgau0000dunn
2. Idem, p. 301
3. Idem, p. 304, 305
4. Idem, p. 313
5. 1 Coríntios 15:17
6. 1 Coríntios 15:51, 52
7. 1 Coríntios 15:54-57
8. Dunnington, 2004. p. 300

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