
Uma carta escrita pelo físico Albert Einstein ao filósofo alemão Eric Gutkind revela que o cientista desdenhava a religião. O documento reacendeu a polêmica sobre as crenças religiosas de Einstein já que, em declarações anteriores, ele havia dado a entender que acreditava, ou queria acreditar, na existência de Deus. Escrita em 1954, em resposta ao livro de Gutkind Escolha a Vida: O chamado bíblico para a revolta (em tradução livre), a carta passou 50 anos nas mãos de um colecionador particular. “A palavra Deus para mim é nada mais que a expressão e o produto da fraqueza humana; a Bíblia é uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis”, escreveu Einstein.
Na carta, o cientista também fala que não acredita que os judeus sejam “o povo escolhido”. “Para mim, a religião judaica, como todas as outras, é a encarnação de algumas das superstições mais infantis. E o povo judeu, ao qual tenho o prazer de pertencer e com cuja mentalidade tenho grande afinidade, não tem qualquer diferença de qualidade para mim em relação aos outros povos.”
(O Estado de S. Paulo, 14/5/2008)
Querem desconstruir o Deus da Bíblia

A matéria de capa da revista Galileu de maio de 2008 – “O Deus de Einstein” – é um indicativo da intenção de muitos de desconstruir o Deus da Bíblia. O artigo informa que livros de ciências naturais, matemática e filosofia, especialmente os de Immanuel Kant, tiveram forte influência sobre o físico alemão quando ele ainda era criança. “Foi essa experiência que o levou a se interessar por ciências e se afastar da religião. Mais tarde ele diria que foi ao ler esses livros que se convenceu de que muitas das histórias da Bíblia não poderiam ser verdadeiras”, explica Galileu, que cita ainda uma declaração de Einstein publicada no livro Albert Einstein – The Human Side: “Eu não posso conceber um Deus pessoal que influencia diretamente as ações dos indivíduos ou julgue as criaturas que ele mesmo criou.”
Mas num ponto as convicções do físico se aproximavam da verdadeira compreensão bíblica do que seja a alma. Einstein adotava as ideias formuladas por Espinoza: alma e corpo sempre estão juntos. Logo, quando o corpo morre, a alma termina junto, o que contraria a doutrina não bíblica (mas tida por muitos como bíblica) da imortalidade da alma. Segundo a Bíblia, a morte não é o fim, apesar de a alma (que no hebraico quer dizer simplesmente pessoa) morrer. Einstein disse: “Eu definitivamente não acredito nisso [imortalidade]. E, para mim, uma vida já é o suficiente.” Segundo Galileu, o físico pode ser considerado deísta, ou seja, alguém que crê que um deus impessoal criou o Universo e não interfere em seu funcionamento.
Galileu aponta também a discordância de Einstein com a doutrina bíblica do livre-arbítrio: “Para Einstein, qualquer ação humana, por mais banal que fosse, como escovar os dentes, já estava previamente determinada. Logo, em seu modo de ver, o livre-arbítrio é uma ilusão. […] O curioso é que Einstein, apesar disso, era um grande defensor da liberdade individual.” O problema aqui é a confusão que se faz entre onisciência e determinação. Galileu pergunta: “Como esse livre-arbítrio pode ser real se Deus conhece o futuro, já sabe o que vai acontecer?” O fato de Deus saber o que vai acontecer não significa que Ele determine o que vai acontecer. Digamos que houvesse dez caminhos diferentes para um motorista escolher. Deus sabe o que ocorreria em cada uma dessas vias, mas não escolhe pela pessoa (se bem que é muito difícil entender a onisciência estando infinitamente longe de ser onisciente).
A reportagem informa também que há várias pesquisas sobre a crença das pessoas em Deus. E que há pesquisas “para todos os gostos, dizendo que há mais ateus ou mais crentes”. Só que, curiosamente, Galileu menciona apenas uma dessas pesquisas, publicada pela Nature, segundo a qual a maioria dos membros da Academia Nacional de Ciência não crê num Deus pessoal. Parcial, não?
A matéria conclui o seguinte: “A posição de Einstein, antes rejeitada pelas pessoas de fé, agora é acolhida. Há uma corrente que defende que as visões religiosas e científicas são complementares, inclusive na explicação de fenômenos naturais.”
Creio que a posição de Einstein é bem-vinda hoje porque os céticos, não podendo negar a realidade espiritual e a existência insistente da fé, estão abraçando um “deus” impessoal com o qual não precisam se comprometer e cujos princípios de vida prescritos na Bíblica são vistos como empecilho para o estilo de vida dissoluto do mundo atual. É uma “fé” bem conveniente.
(Michelson Borges é jornalista, pós-graduado em Biologia Molecular e mestre em Teologia)
